24 de dezembro de 2006

Senzalas modernas

O lugar era escuro, pequeno e abafado.

Havia uma só porta e pequenas frestas para a entrada de ar.

O solo era de terra batida.

A alimentação eram os restos de comida dos fazendeiros.

E pensar que o fim da escravidão foi em 13 de maio de 1888...



Esta é a realidade de uma das senzalas modernas que estão distribuídas pelos 27 estados brasileiros. De 1995 até 2006, 18 mil pessoas que estavam vivendo em regime de escravidão ganharam a liberdade em decorrência das operações de fiscalização realizadas pelo governo federal. Mas a realidade do trabalhador brasileiro ainda é precária. Afinal, existem pessoas que não conseguiram sair desta situação.

Uma das pessoas que está no front desta guerra é o jornalista e criador da Ong Repórter Brasil, Leonardo Sakamoto, que há cinco anos tenta acabar com processo de escravidão dos trabalhadores e garantir dignidade e respeito para muitos que não tiveram a oportunidade de serem livres.

Sakamoto, que trabalhou em veículos como Revista Terra e editora Abril, conta que o seu envolvimento com causas sociais começou desde cedo, tanto que a escolha pelo jornalismo foi uma forma de instrumentalizar isto. “Já na época da faculdade eu queria fazer algo diferente. Algo que pudesse mudar esta situação de desigualdade social. Eu não queria ficar preso na redação. Eu queria visitar locais esquecidos e relatar o que acontecia nestes lugares, inserindo estes lugares e suas histórias na pauta dos grandes veículos“.

Para o jornalista, a situação no país é precária porque ainda faltam políticas duras que inibam os fazendeiros a manter trabalhadores escravos. “A punição ainda sai barata para o fazendeiro porque, hoje, ela só acontece no âmbito econômico e não no criminal. Embora já existam projetos de lei tramitando na justiça, tudo está caminhando a passos lentos“. “Hoje, só existe uma pessoa foi condenada por trabalho escravo, mas ela não foi para a cadeia. Ela teve que pagar em cestas básicas“.

O jornalista afirma que as prisões não acontecem por causa da morosidade da justiça e também porque há lacunas na legislação que não definem se a pessoa deve ser julgada em competência federal ou estadual.

E enquanto os processos se acumulam nas salas de juízes e a justiça caminha a passos mais lentos do que nunca, os aliciadores de trabalhadores, ou melhor, os famosos ‘gatos’ continuam tão rápidos como os carros de fórmula um. Para se ter idéia de como os ‘gatunos’ têm trabalhado bem, de janeiro a agosto deste ano o grupo de fiscalização do Ministério do Trabalho (MTE) já encontrou e libertou 1744 pessoas. No Pará, durante o período de 1995 e 2003, registrou que 4571 trabalhadores estavam vivendo em regime de escravidão. Estes deram a sorte de serem libertados, mas quantos ainda estão presos por ai?

Na tentativa de mudar a realidade o jornalista decidiu que tinha que fazer algo. Era necessário alertar a sociedade, a mídia e autoridades sobre o tamanho problema que o país tinha. “Não dava mais para fechar os olhos e ignorar tanta crueldade. Era impossível só fazer matéria sobre lugares com problemas sociais graves e nada mudar. Automaticamente, você é empurrado para uma ação direta e, embora em certos momentos lhe venha à mente aquela coisa da faculdade que você é um observador neutro, cada vez mais você sente que precisa participar“.


Nascia assim a Repórter Brasil


O trabalho da ong consiste em fortalecer a divulgação de reportagens sobre o tema e desenvolver projetos sociais que contribuam com a erradicação do trabalho-escravo.

Hoje, a Repórter Brasil tem três grandes eixos. O primeiro é fazer matérias sobre direitos humanos, dar palestras e divulgar informações sobre o tema; o segundo é manter um plano de comunicação comunitária, onde um grupo da ong capacita jovens em todo Brasil, com o intuito de fazer com que esses jovens criem veículos de comunicação na sua própria cidade; o terceiro eixo é a parte de jornalismo e o combate ao trabalho escravo.

O projeto carro-chefe da Repórter Brasil é o 'Trabalho Escravo Nem Pensar' que tem como meta capacitar professores e lideranças populares nos locais onde há ocorrência de trabalho escravo para que estes professores trabalhem com o tema com a comunidade deste cedo. Um grupo da ong fica em um determinado local, durante uma semana, orienta as pessoas para que elas fiquem atentas aos ‘gatos’ [pessoas que ‘contratam’ trabalhadores e os mantêm em regime de escravidão]. Nestes últimos três anos, foram 1000 pessoas em 15 cidades que receberam a capacitação.

Com este trabalho Sakamoto conseguiu o que tanto sonhava: se realizar profissionalmente, ou seja, inserir as pautas que tanto queria quando trabalhava na grande mídia e ao mesmo tempo alertar a sociedade e as autoridades de como o trabalhador vinha sendo escravizado. "Quando você vê uma situação de desigualdade tão forte como hoje e você fica calado você é conivente. E eu não queria ser deste jeito. Eu queria fazer alguma coisa para tentar mudar isto. Não queria fica preso na pauta diária eu queria ir além disso".

Para o jornalista o mais importante é que a partir da criação da Repórter Brasil e, principalmente, da agência de notícias, que foi nasceu em abril deste ano, o tema acabou ficando em maior evidência na mídia. “O principal é colocar a mostra o problema na sociedade de um modo que este problema seja discutido. A mídia tem este objetivo de expor esta ferida e não deixar que a esqueçam, ou seja, fazer com que o assunto esteja em todos os lugares possíveis em impossíveis. Ela tem que mostrar que a Reforma Agrária é necessária e que não adianta dar terra para o trabalhador, tem que ensiná-lo a plantar de foram correta, garantir escoamento da produção dele, entre outras coisas, como a garantia de material abaixo do custo para o pequeno produtor, por exemplo.

Quanto a forma dos textos da agência, Sakamoto enfatiza que não é necessário dramatizar a reportagem ao extremo, afinal, o mais importante é alertar as pessoas, para que elas pressionem o poder público e este tome as providências necessárias. “Não precisa no texto escrever ‘a pobre da criancinha...’, basta que colocar a verdade. Com isto, você ajuda a mudar leis, a fiscalizá-las, punir culpados, porque a mídia tem um poder fundamental para contribuir com a luta do trabalho escravo. Sem a mídia, o combate ao trabalho escravo não estaria forte como hoje".


Boa cobertura transforma a realidade sim!


Um exemplo de que uma boa cobertura pode fazer a diferença é a pesquisa que a ong fez a pedido do governo federal, que identificou a cadeia produtiva do trabalho escravo.

O objetivo era fazer um levantamento sobre as relações comerciais de 100 fazendas, que possuíam trabalhadores escravos, com varejo e o mercado internacional. Segundo o jornalista da Repórter Brasil, eles descobriram que 200 empresas nacionais e internacionais vendiam produtos que haviam sido produzidos por trabalhadores escravos.

As empresas eram de diversos seguimentos como: café, carne, cana-de-açúcar, algodão, soja, pimenta do reino, aço, entre outras. “Atingimos diversas empresas que se somarmos equivale a um PIB (soma riquezas internas do país) de mais de 40%“.

Após a realização da pesquisa, a Repórter Brasil, juntamente, com o Instituto Ethos e a Organização Mundial do Trabalho criaram o Pacto Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, no qual as empresas que estavam no levantamento se comprometeram a não comprar mais daquelas fazendas que tinham trabalhadores escravos.

Por causa do pacto, muitas fazendas foram à falência, outras tiveram que mudar o nome ou até mesmo serem vendidas. Isto é, o trabalho escravo passou a ser mau negócio para muita gente. Sakamoto explica que, após o acordo, as empresas passaram a verificar se estão comprando de fazendas com trabalhadores escravos ou não. “A pesquisa foi uma experiência interessante porque a cadeia produtiva se tornou uma política pública de combate ao trabalho escravo e é considerada até hoje, como uma das principais políticas já feitas“, garante o jornalista.

É por meio de medidas como esta que a ong deixa claro que o seu trabalho não se resume a apenas diminuir os números de trabalhadores escravos, mas sim fazer com que crianças e adultos não tenham a infância e a dignidade roubadas porque um fazendeiro ou empresário quer aumentar o seu lucro a qualquer custo. A Repórter Brasil quer garantir que não existam mais casos como o de José*, que ficou preso como escravo em uma fazenda por dez anos, e o de Pedro*, que aos treze anos já era escravo em uma propriedade rural. O menino, que há dois anos trocou os brinquedos, a escola e os amigos pela motoserra, tinha como sonho ser caminhoneiro para ir bem longe da fazenda. No dia em que foi libertado, 1º de maio, mal sabia o significado da data... E pensar que a escravidão foi naquele mesmo dia há 118 anos...


* Nome alterado para preservar a identidade das vítimas do trabalho escravo.

9 de dezembro de 2006

Por um jornalismo mais democrático

Após a abertura de um seminário na Colônia de Férias dos Químicos, em Praia Grande, uma das assessoras do sindicato dos trabalhadores do setor foi passear na praia e quando voltou do passeio percebeu que havia pisado em fezes. Para uma pessoa comum, seria só lavar a sandália. “Mas para nós, jornalistas, a responsabilidade só tinha começado. No dia seguinte, a jornalista foi à praia e viu, com a maré baixa, que a cidade não tinha sistema de tratamento de esgoto doméstico. Ele era lançado diretamente no mar”.

Quem lembra da historia é o jornalista Sérgio Gomes, fundador, juntamente com outros profissionais, do jornal Sol e Alegria, que teve sua primeira edição em agosto de 1988. A luta contra a despoluição das praias, no entanto, começou oito anos antes de surgir a publicação.

Gomes relembra que, quando retornou a São Paulo, a primeira coisa que fez foi entrar em contato com a Cetesb. Ele, então, descobriu que as praias de Praia Grande estavam impróprias havia 3 anos. A Folha de S. Paulo publicava a balneabilidade das praias de todo o litoral, menos ade Praia Grande. “Eu fiz uma carta para o jornal questionando por que a balneabilidade deste município não era publicada, já que esta era a praia da classe trabalhadora”.

O jornalista diz, ainda, que a imprensa da Baixada Santista não dava atenção ao caso. “Fiquei espantado, porque é um assunto que tem interesse para a região, mas
isto não era noticiado. Isso era uma vergonha, porque a classe trabalhadora tinha direito ao lazer sem colocar a saúde em risco”.

Indignado, Sérgio levou todos os dados que conseguiu apurar na Cetesb para Aloíso Nunes de Ferreira Filho que na época era presidente da comissão de Meio Ambiente da Assembléia Legislativa. “Ele disse que iria enviar ofícios para saber o porquê daquela situação. Mas eu sabia que aquilo não mudaria se ficasse no papel. Propus, então, que fizéssemos uma reunião com as colônias de férias de Praia Grande para produzir um dossiê com os dados sobre a poluição das praias e um vídeo para apresentar a ele. Depois, nós passaríamos a divulgar o vídeo com o intuito de chamar a atenção para o problema e dar um fim definitivo na questão”.

Mas, no fundo, o jornalista sabia que só isso não seria suficiente para criar uma grande mobilização. Para acabar com a poluição, era necessário fazer mais, ou seja, era preciso conscientizar a população sobre a importância da preservação das águas.

Nascia assim, em 1988, o jornal Sol e Alegria que tinha como proposta não deixar a discussão sobre a despoluição, literalmente, morrer na praia. Além disso, a publicação apresentava matérias sobre o que os governos estadual e municipal vinham fazendo a respeito da despoluição e o que o munícipe e as colônias de férias podiam fazer para contribuir com a melhora da qualidade da água.

Era um engano pensar que os problemas estavam ligados apenas à poluição e às perdas
econômicas da cidade. Segundo Gomes, a praia estava abandonada por completo, nem salva-vidas existia. Conforme uma pesquisa realizada na época, mais de 200 pessoas morriam afogadas por ano no município.

Motivação

Apesar das dificuldades, Sérgio Gomes seguiu em frente. A vontade lutar aumentou ainda mais após ele encontrar um dos seus colegas do sindicato vivendo em condições precárias por causa dos problemas em Praia Grande. “Eu estava passando e vi um trabalhador sindicalizado, que eu conhecia, morando embaixo de uma ponte. Parei o carro e fui até ele para saber o havia acontecido. Ele me contou que o irmão dele morreu afogado na praia, porque não havia salva-vidas. Ele teve que gastar muito dinheiro com o enterro, fez um empréstimo, não teve como pagar e, com isso, foi obrigado a vender o barraco e morar embaixo da ponte. Eu não tinha me dado conta de que um afogamento podia levar uma família a viver em condições desumanas. Era inadmissível ver o que estava acontecendo na cidade e ver que ninguém fazia nada. Enquanto no Guarujá tinha salva-vidas até com jet ski, em Praia Grande não tinha nem bombeiro”.

Indignado com o que havia acontecido com este trabalhador, o jornalista foi até o secretário de Segurança Pública, que na época era Luiz Antonio Fleury Filho (depois, governador), com um dossiê no qual constava o número de mortes por afogamento em Praia Grande. “A partir disso, surgiu a Operação de Verão, que consistia em colocar salva-vidas em pontos estratégicos e impedir que mais pessoas morressem. Com essa medida, o número de afogamentos caiu de 200 para 50 pessoas por ano”.

Gomes explica que o jornal Sol e Alegria conseguiu alcançar seus objetivos, porque não só noticiava o problema, mas também cobria as negociações e cobrava os resultados. “A existência do jornal, com periodicidade, possibilitou os resultados que temos hoje. Nós articulamos com o Executivo, o Legislativo e os sindicatos, por isso funcionou”.

Para Sérgio Gomes, é desta forma que o jornalismo deve ser feito. Embora muitos acreditem que este tipo de jornalismo engajado está, geralmente, associado a partidos políticos e é parcial, ele explica que “é impossível fazer alguma coisa de sentido social sem mostrar a política”. “Tem que saber como a sociedade está, ter noção política, saber do Legislativo e dos outros poderes. Jornalismo Social eficaz tem que ter uma visão política, mas uma coisa é política e outra são os partidos políticos. É preciso separar as coisas para não desmerecer o trabalho de outros jornalistas que trabalham com o social”.

O dever do jornalista, diz Gomes, é informar e garantir que o povo tenha instrumentos para decidir e ver que não está sendo enganado. Por isso, é preciso saber quais são as aspirações da população e escrever de uma maneira que ela compreenda a importância da informação. “Precisamos ter capacidade de mobilização política. A imprensa não publica as injustiças contra o povo. Se morrer alguém em Moema, é uma grande repercussão. Já no Jardim Ângela não vai nem ser noticiado”.

Para mudar esta realidade, Sérgio Gomes considera necessário que haja mais engajamento por parte da mídia. E para que a cobertura de temas sociais se torne freqüente, ele defende a democratização dos meios de comunicação. “Criar meios próprios é a solução. Pegue um ônibus e vá até os acampamentos do MST. Vá lá e faça uma reportagem, veja se realmente é o que se noticia. Isso é jornalismo social e politizado”.

Sérgio Gomes diz que as grandes redações só tratam da temática social, principalmente de movimentos populares, de vez em quando e de forma “folclórica”. Por isso, para que as pessoas passem a conhecer os “Brasis” que existem no nosso País, o jornalista tem que se empenhar mais. “Quando você vai aos lugares, fotografa, mostra as dificuldades, revela situações, mostra os paradoxos, os desafios e as dificuldades, a realidade, as contradições, as esperanças, isso é que é capaz de mobilizar as pessoas”.

2 de dezembro de 2006

Cidadãos esquecidos

Uma intenção pode ser maravilhosa, mas na realidade tudo começa com uma ação. E enquanto muitos escolheram reclamar e acusar os governos de serem os únicos culpados pela má distribuição de renda, pela fome, pelo 69º. lugar no ranking do Índice de Desenvolvimento Sócio-Econômico e por tantos outros problemas, o jornalista e idealizador da Revista Idéia Social, Ricardo Voltolini, resolveu ir além.

Voltolini, que há mais de dez anos milita na área de Jornalismo Social, decidiu fazer algo para melhorar o Brasil. Precisava contar histórias de pessoas que, como ele mesmo diz, são vistas como cidadãos de segunda classe por conta da pobreza e da falta de cultura.

Uma destas histórias foi “Meninas de Turbantes do Pará”. De cabelos bem compridos, em respeito à religião, centenas delas acabam vítimas de escalpelamento. Isto acontece dentro do principal meio de transporte da região, os barquinhos de motor de popa, que não possuem segurança alguma. Os cabelos das jovens enroscam no equipamento e são arrancados do couro cabeludo. Logo, as meninas têm as suas vidas duramente marcadas por um problema que poderia, facilmente, ser evitado com informação, cuidado e o uso de proteção nos motores.

Para o jornalista, a história das meninas de turbantes foi a mais marcante da sua carreira. “Esta é a história que mais me marcou porque eu pude perceber a extensão e diversidade dos problemas sociais de um Brasil continental e rico em contrastes”.

Para que tragédias como esta não voltem a acontecer, o diretor de redação da Idéia Social acredita que é necessário mais divulgação. Desta forma, a sociedade tem a oportunidade de redescobrir o Brasil e, ao mesmo tempo, refletir sobre a sua parcela de responsabilidade em relação a problemas tão graves, mas que muitas vezes passam despercebidos.

Voltolini enfatiza que a participação da imprensa é essencial para que temas como o das meninas de turbantes passem a ser discutidos com mais freqüência. Mas, segundo ele, o que se vê ainda é muito pouco. “Vejo, com alguma tristeza, que os jovens jornalistas, por desinformação ou alheamento, repetem o equívoco dos velhos jornalistas de achar que tudo o que diz respeito à esfera pública é responsabilidade exclusiva dos governos”.

Para ele, esta desinformação generalizada acontece por causa da evolução tecnológica. Os valores da sociedade mudaram de uma forma tão rápida, que a maioria dos jornalistas não conseguiu acompanhar. Logo, o que se vê nos noticiários são preconceitos que foram estabelecidos há muito tempo e já não deveriam existir mais. “O mundo mudou. Hoje, se fala em sustentabilidade, em tecnologias sociais, em novas formas de arranjos produtivos, em economia solidária, em voluntariado como ferramenta estratégica. Para escrever sobre esse novo Brasil, o novo jornalista precisa compreendê-lo”.

A Idéia Social

A missão da Idéia Social é promover o debate de idéias sobre o terceiro setor, a responsabilidade social e o investimento social privado, analisando contextos e discutindo conceitos que estimulem a reflexão, a formação de conhecimento e a adoção de novas práticas.

“Nossa intenção não é criar mais um espaço para noticiar projetos de empresas ou de organizações de terceiro setor, mas mergulhar a fundo na compreensão do que está por trás dos importantes movimentos de Terceiro Setor e Responsabilidade Social, produzindo debate pluralista de idéias nesses dois campos hoje em ascensão no País. Queremos fazer uma revista diferenciada, que combine informação aprofundada, com qualidade estética e, por essa razão, faça diferença na vida do leitor”, diz Voltolini.

Outra preocupação do jornalista é publicar textos que ensinem as pessoas a fazer algo por uma comunidade. “Além de reportagens e artigos, a Idéia Social publica também estudos de caso e matérias na linha do Como fazer”.

Para a revista, cujo público-alvo são formadores de opiniões, estudantes e organizações do terceiro setor, os princípios que permeiam as pautas são pluralismo de idéias; apartidarismo; criticidade sem denuncismo; educação pela informação, para a revisão e aprimoramento de práticas.

Por meio desta publicação, Voltolini pretende fazer com que a sociedade se torne mais participativa a ponto de se envolver diretamente com uma causa. Um exemplo citado pelo jornalista de que isso é possível é a ONG Sarapó. Ela foi criada por um médico que cuidava das meninas de turbantes, que estava inconformado e queria prevenir o problema e chamar a atenção das autoridades.

“Uma organização que nasce da indignação de um cidadão sensível aos problemas do seu semelhante é uma prova de como o terceiro setor é importante”, diz Voltolini. Para ele, o jornalista é fundamental para disseminar ideais como esse sem preconceitos. “Do contrário, será o mero reprodutor de um discurso passadista, de idéias equivocadas, conceitos que já não mais se sustentam à luz dos novos tempos. Será um jornalista fora do seu tempo”.

25 de novembro de 2006

Guerrilheiro ambiental

Escrever matérias sobre meio ambiente não implica engajamento, mas defender causas ambientais significa se engajar. Já defender causas sociais em plena ditadura militar representava não só engajamento, como exigia uma ideologia firme. O jornalista santista Lane Valiengo, 53 anos, enfrentou essa situação durante o final da década de 70 e início dos anos 80 – e obteve reconhecimento com isso. Junto com os repórteres Leda Mondin e Manuel Alves Fernandes, Lane ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo por uma série de reportagens sobre o risco de desabamento da Serra do Mar.

Segundo Lane Valiengo, defender ecologia nessa época era considerado coisa de subversivo. Além disso, diz ele, era necessário ter consciência de que iriam tentar desqualificar as matérias e ter a dimensão do poder econômico que as grandes indústrias poluidoras tinham na região.

O jornalista lembra que o engajamento de sua geração começou como uma forma de luta para melhorar a sociedade. “O pessoal veio dos movimentos hippie e punk. Éramos politicamente engajados e a luta ambiental veio para nós como um caminho de mudança. Não conseguimos mudar socialmente, nem politicamente. Tentamos pelo menos salvar um pouco de terra”.

Outro fator que contribuiu para a publicação das matérias foram os colegas de redação, afirma Lane. “Vários jornalistas que tinham essa preocupação estavam juntos. Em 1984, as matérias ambientais se tornaram o carro-chefe do jornal A Tribuna, que era o diário que mais publicava reportagens desse tipo no Brasil”.

Na época em que começou a produzir as matérias sobre meio ambiente, a sociedade não tinha noção do que era o meio ambiente, avalia Lane Valiengo. “Para falar disso, além do engajamento, tínhamos que ter uma boa didática para ensinar as pessoas a defender a natureza, porque senão as conseqüências seriam graves. Eu andava com um relatório sobre produtos químicos de baixo do braço para consultar”.

A cidade de Cubatão é hoje referência na defesa ambiental. Para muitos, isso é resultado das matérias produzidas por Lane Valiengo e seus companheiros de jornal. “O Governo resolveu fazer um plano de salvamento da Serra do Mar. As indústrias tiveram que se adequar para diminuir a poluição. Tudo isso começou a partir das nossas matérias”. Até hoje existe um programa de controle da poluição de Cubatão que, para o jornalista, foi conseqüência direta das matérias.


Dificuldades

A primeira dificuldade enfrentada por Lane Valiengo foi convencer a chefia do jornal sobre a idéia de se defender o meio ambiente. “As indústrias começaram a anunciar na primeira página do jornal, que é muito cara, com textos dizendo que não poluíam. Durante sete meses tivemos carta branca para continuar com as matérias, até que veio a ordem: pára”.

Outra questão que teve de enfrentar foram as ameaças constantes. “Elas vinham dos militares, que ameaçavam nos enquadrar na Lei de Segurança Nacional. Nós tínhamos fichas no Dops com todos os nossos passos. Às vezes, as ameaças eram veladas. Alguém falava ‘cuidado, você não sabe onde está se metendo’. Muitas vezes, vinham do poder econômico, com ameaças de parar os anúncios. E de políticos. Um, inclusive, foi no jornal pedir a minha cabeça ao editor chefe”.

O jornalista cita como um dos acontecimentos que marcaram sua carreira o incêndio na Vila Socó, em Cubatão. “Quando aconteceu o incêndio da Vila Socó, a imprensa foi toda pra lá. Teve dois grupos de jornalistas, um que jogou o bloquinho e foi ajudar os bombeiros e outro que continuou a coletar dados. Mas a realidade ali era tão doída, que tínhamos que fazer alguma coisa. Eu não fui para fazer matéria, fui para ajudar. Estava de férias na época”.

Lane admite que esta diferença de postura marcou muito. “Se eu tivesse ido para fazer matéria, eu teria ajudado da mesma forma. Aí é que está a diferença entre quando você é formado para ser jornalista e quando você é formado para ser cidadão que também é jornalista. Comprometido com a vida, sempre vou ser, antes da profissão”.

Outra reportagem que Lane Valiengo menciona foi no bairro da Alemoa. “Fui fazer uma matéria sobre um caminhão que havia tombado. Quando cheguei, vi os moradores catando o arroz que caiu do veículo. O arroz era contaminado e estava sendo transportado para ser incinerado. Mas as pessoas estavam catando para comer”.

O que motivou Lane a seguir essa linha do jornalismo foi sua formação. “Eu já tinha uma predisposição para isso. Fui do movimento da contracultura. Escrever sobre meio ambiente é uma coisa. Agora, brigar pelas causas ambientais é outra. Era isso que eu fazia. Era um guerrilheiro ambiental”.

Prêmio Esso

Lane Valiengo recebeu o Prêmio Esso pelo conjunto de matérias que ajudou a produzir sobre o risco de deslizamento da Serra do Mar. O jornalista conta que a reportagem surgiu quando um engenheiro do Instituto Florestal ligou para a redação do jornal A Tribuna e sugeriu uma pauta a ser feita em São Paulo. “Ele tinha um relatório que mostrava que a Serra do Mar estava desabando. O material era todo carimbado de confidencial. A Tribuna adotou, em termos de edição, uma postura mais agressiva. A matéria saiu e sacudiu a cidade”. A população tomou conhecimento do fato e passou a cobrar.

A série começou com o relatório e depois foram mostradas as conseqüências. “Esse prêmio foi resultado da mobilização da comunidade da Baixada Santista. Não foi tanto a qualidade do texto. A noticia é tão gritante, por si só ela já tem valor”.

Um fato curioso, para o jornalista, ilustra bem o que era a desinformação na época. “O Manuel fez uma matéria com o título: ‘Tombamento da Serra será amanhã’. Foi uma confusão, as pessoas acharam que ia desabar tudo, mas na verdade era o tombamento como patrimônio histórico. Depois, teve que sair uma retificação: ‘Atenção tombamento não é queda’. Foi um episódio engraçado”.

24 de novembro de 2006

Mobilização Kaiowá, Guarani e Terena


Os povos indígenas do Mato Grosso do Sul, particularmente os Kaiowá, Guarani e Terena, estão muito preocupados com a quase total paralisação dos procedimentos de regularização de suas terras. São quase duzentos processos judiciais envolvendo as terras indígenas neste Estado. Grande parte desses processos se encontram no TRF-3ª Região, em São Paulo. Além disso a Funai, neste último ano não constituiu nenhum grupo de trabalho, mesmo sabendo que existem mais de cem terras indígenas (tekohá) que precisam ser identificados. Essa situação fez com que aumentasse expressivamente a violência entre esses povos, sendo o Estado com maior número de suicídios, assassinatos, mortes por atropelamento, homicídios, dentre outros.

Diante dessa realidade, as 15 comunidades e lideranças indígenas vêm a São Paulo, para conversar com as autoridades responsáveis pelos processos e denunciar a situação dramática que estão passando.

No dia 27 de novembro, às 15 horas, será realizado o Encontro Guarani, com participação de indígenas Guarani, Kaiowá e Terena do Mato Grosso do Sul, de São Paulo e de outros locais do Brasil e da América do Sul. O encontro acontece no no Pátio da Cruz da PUC/SP, e terá rezas, danças e falas.

Na terça-feira, 28 de novembro, os indígenas participarão de Audiências Públicas no TRF da 3ª Região, avenida Paulista, 1842. À noite, haverá visita à aldeia Jaraguá, no Pico do Jaraguá, para realização de rituais.

Na quarta-feira, 29, a programação será encerrada com um ato no vão livre do MASP, às 15 horas, com participação de povos indígenas de todo o país, movimentos sociais e estudantes.
Haverá projeção de filmes na PUC nos dias 27 e 28, seguidos de debates.

Exposição de fotografias
Entre os dias 21 e 30 de novembro, será realizada uma exposição de fotografias de aldeias Guarani do Mato Grosso do Sul, no hall do andar térreo do prédio novo da PUC-SP. As fotos são do fotógrafo Flávio Cannalonga e Núcleo de Estudos em Antropologia Prática (Neap) / PUC-SP. Curadora Marcela Cavalcanti.


Informações e auxílio à imprensa:

Marina Gonzalez
(11) 8206-6917
marinamgonzalez@hotmail.com

Tatiana Lotierzo
(11) 9103-4200;
tatianalotierzo@yahoo.com

NEAP/PUC-SP
neap_pucsp@yahoo.com.br
(11) 9153-5573 – Rodrigo Domenech
(11) 9984-2721 – Diego Galípolo
(11) 8585-8818 - Victor Strazzeri
(11) 7120-6466 – Ramirys de Andrade

CIMI/MS
cimidourados@terra.com.br
(67) 3424-9410
(67) 9983 3982 Egon Heck
(67) 9983 4089

Endereços
PUC-SP – R. Monte Alegre, 984.
MASP – Av. Paulista, 1578.
TRF – Av. Paulista, 1842

Participantes:
Kaiowá e Guarani do Mato Grosso do Sul
Guarani de São Paulo e outras regiões
Pankararu, Terena e outros povos indígenas em São Paulo – na manifestação Entidades indigenistas e dos movimentos sociais
Organização:
Comissão Guarani/Kaiowá – MS
Povo Indígena Guarani – SP
Cimi – Conselho Indigenista Missionário
Núcleo de Estudos em Antropologia Prática (Neap) / PUC-SP

11 de novembro de 2006

Consciência ambiental

Decência. Não foi isso que o jornalista Adalberto Marcondes, da Revista Eletrônica Envolverde, encontrou durante a cobertura das eleições para governador, no Amazonas, em 1986. Apesar da pauta ser política, ele enxergou o que muitos jornalistas ainda não conseguem ver, ou fingem não ter visto.

É o próprio Marcondes quem conta: “Vi a miséria e o desespero de uma mãe que preferiu vender a filha, de 12 anos, a um garimpeiro, para poder dar um prato de comida para os outros filhos. Aquilo me tocou muito e me colocou diante uma realidade que não era possível aceitar. Ela tinha que fazer uma opção: ou vendia a filha e com aquele dinheiro comprava as coisas para os outros filhos, ou então todos iam continuar passando fome. Então, eu acho que um mundo em que a mãe tem que enfrentar esse dilema não é um mundo correto, não é um mundo decente, não é lugar bom para se viver. E ter visto isso mudou a minha visão de mundo e o sentido do meu trabalho”.

Esse acontecimento foi fundamental para que o olhar social do jornalista despertasse. “Esta cena marcou a minha decisão de trabalhar com determinados tipos de informações, que levassem as pessoas a refletir sobre a realidade e sobre o tipo de mundo que elas gostariam de deixar para as gerações futuras”, relembra.

Na busca de um mundo mais decente, surgia, há 10 anos, a revista eletrônica Envolverde, que por meio da divulgação de notícias de cunho social retrata um Brasil sem disfarces. “A Envolverde quer levar para o noticiário diário assuntos como o da menina que foi vendida. Temos que fazer as pessoas refletirem sobre o que podem fazer para que problemas como esse não aconteçam mais”.

Segundo Adalberto Marcondes, como toda mídia pequena, a Envolverde teve que superar muitas dificuldades para chegar onde chegou. Ele não desistiu e, hoje, o site possui o patrocínio da Cavo, empresa especializada em engenharia e conservação ambiental, e é parceira de outras Ongs, como a AW4 Tecnologia, Agência Internacional Inter Press Service e Terra América.

De acordo com Marcondes, a revista, que foi vencedora do 6º Prêmio Ethos de Jornalismo na categoria Mídia Digital, tem uma média de quase 5 mil acessos por dia, o que, mensalmente, equivale a mais de 1 milhão e meio de pessoas visitando o portal.

Marcondes admite que o número de leitores interessados ainda não é suficiente para que temas como meio ambiente, educação e cidadania façam parte do cotidiano da mídia. Ele explica que isso acontece porque boa parte da mídia ainda tem preconceito em relação a esse tipo de tema. “A imprensa procura trabalhar com temas que tenham alguma relevância momentânea para poder vender jornal e acaba não dando destaque para as minorias. Logo, o debate não é feito pela sociedade”.

O jornalista afirma que esse preconceito pôde ser visto durante a cobertura da instauração de cotas para negros e índios nas universidades federais e estaduais. “As matérias estão cheias de preconceitos e desinformação. Não é um debate claro sobre qual é o papel dessas cotas e porque se deveria bancá-las”.

Além disso, ele aponta outros exemplos envolvendo a questão racial, o gênero e o poder aquisitivo do brasileiro. “A questão racial é tratada de forma absurda, afinal, se coloca o negro como minoria no Brasil, enquanto todos sabemos que mais de 50% da população é formada por negros. Outro dia eu ouvi: 'As minorias brasileiras: negros, mulheres e pobres’. Eu pensei, vocês estão loucos, porque as mulheres formam 51%, ou seja, são maioria, e não minoria. Os negros também compõem boa parte da população e, pelo que me consta, a maioria da população não está nadando em dinheiro”.

Ele também destaca a pobreza como tema desprezado pela mídia. “A pobreza é tratada pelo pitoresco, e não por ser uma coisa séria. As matérias são: ‘Brasil bate o recorde em desigualdade’. Isso nós já sabemos, e daí? O que se pode fazer?”, questiona Adalberto Marcondes.

Para ele, o fato de a mídia não conseguir trabalhar com as minorias, com a miséria e com políticas públicas contribui para que os leitores tenham uma visão rasa e superficial da realidade que, na maioria das vezes, é a de pequena parcela da classe média. “Quem assiste à Rede Globo acha que nós moramos em um País como a Espanha, a Bélgica, ou seja, um País de segundo mundo ajeitado, e não um país de terceiro mundo”.

Segundo o criador da Envolverde, uma das formas de fazer com que a sociedade passe a enxergar o País com outros olhos, sem o glamour das novelas, é por meio do trabalho do jornalista. “A imprensa tem que ficar mais atenta ao que acontece no País. Ela tem que estar mais preparada e sensibilizada com o que acontece à sua volta para poder divulgar assuntos de relevância nacional, e não fofocas”.

Mas para que o jornalista tenha essa sensibilidade, é necessário que essa percepção seja desenvolvida desde o começo da carreira, ou seja, quando ele ainda está na faculdade. “Acredito que a inserção de uma disciplina de jornalismo social não resolveria o problema, porque estaríamos burocratizando o social. Porém, se a faculdade tiver um projeto de realizar palestras com pessoas que trabalham com terceiro setor, fica mais fácil haver interação desses jovens com o tema. Afinal, o estudante passa ter contato com muita gente, com muitas idéias, com muitos conhecimentos, e isso acaba abrindo o seu leque de raciocínio. Ele conhece muitas idéias e, a partir disso, decide quais são aquelas com as quais se identifica e está disposto a ir em frente”.

Marcondes, que já trabalhou em revistas como Isto É e Exame, nas agências de notícias France Presse e Estado e em jornais como Gazeta Mercantil e Estadão, reclama que ainda são poucas as reportagens sobre o tema que saem na mídia. “Na maioria das vezes, nós publicamos e um ou outro jornal vai atrás. Isso acontece por falta de conhecimento dos jornalistas”.

No entanto, se por um lado a Envoverde encontra dificuldade em ter o seu conteúdo espalhado por veículos da grande mídia, por outro ela ganha o mundo por meio da Internet, das redes de jornalistas ambientais que se formam no País e dos multiplicadores que o portal conquistou ao longo de 10 anos de existência.

Marcondes explica que, apesar de tudo, o portal tem vantagens, porque a Internet facilita muito a comunicação. “Disponibilizamos 25 editorias diferentes, que vão desde o tema água, até biodiversidade, lixo, energia, governo, saúde e cidadania. Com a nossa diversidade de pautas, atraímos diversos leitores. Além disso, o portal tem como público-alvo formadores de opinião, como jornalistas, advogados, ambientalistas, pesquisadores e universitários, que passam as informações adiante”.

A equipe da Envolverde pretende despertar nos jornalistas a sensibilidade necessária para trabalhar com temas sócio-ambientais. “É preciso que o jornalista esteja bem informado e seja insistente ao vender uma pauta. Só assim ele vai conseguir emplacar uma pauta, que por conta do seu conteúdo social provavelmente seria descartada. Mas se ele constrói essa pauta com relevância, criatividade e muita informação, uma hora vai conseguir emplacar”.

Embora alguns jornalistas acreditem que com a inserção de editoriais de meio ambiente, educação, ou até mesmo cidadania, o problema da falta de reportagens de cunho social estaria resolvido, para Marcondes isso não resolveria a questão. “O olhar ambiental tem que ser transversal, ou seja, tem que estar em todas as editorias. Se, por um lado, com a criação de editorias específicas o veículo passa a ser obrigado a preencher aquele caderno, por outro, se não souber trabalhar o tema corretamente, a proposta de conscientizar a sociedade vai por água abaixo”.

Ele enfatiza que é importante que o jornalista seja uma pessoa bem informada e que participe do que acontece na sua sociedade. “Caso contrário, acabará fazendo, sem perceber, marketing empresarial e não prestando um serviço à comunidade”.

Para o criador da Envolverde, a preocupação da sociedade com o meio ambiente aumentou com a realização da Eco – 92, realizada no Rio de Janeiro. Depois disso, houve uma queda no interesse das empresas e da própria população. O tema entrou novamente em voga em 2001 e, desde então, não parou mais de despertar interesse.

O jornalista acredita que este crescimento está relacionado a quatro fatores: à freqüência com que os desastres ambientais têm ocorrido; às empresas terem percebido que é necessário preservar o meio ambiente; ao trabalho de muitos ambientalistas, que tem surtido efeito no comportamento da população, que hoje recicla mais, por exemplo; e ao interesse das empresas em criar uma política de sustentabilidade para que possam continuar existindo. “Pela primeira vez, as grandes empresas estão preocupadas com sua perenidade, porque uma empresa não é como uma pessoa. Enquanto nós temos uma expectativa de vida de 70, 80 anos, elas sabem que continuarão a existir por 150 anos, ou até mais. Mas para uma empresa viver tanto, ela tem que olhar para o futuro e estar ciente de que precisa ter esse futuro. Então, ela não pode matar seus consumidores. Ela precisa ter matéria-prima, não pode esgotar os recursos naturais agora, porque precisará deles nos próximos anos. Com isso, elas mudaram a postura, para poderem ter uma vida mais longa”.

Nesse contexto, o trabalho do jornalista, diz Marcondes, serve principalmente para conscientizar as pessoas de que elas não podem ver os recursos naturais como se fossem eternos. “Temos de repensar modelos e fazer com que a sociedade pense no futuro que ela quer deixar para as próximas gerações”.

4 de novembro de 2006

Caráter do repórter

As escolhas do jornalista dizem muito sobre seu caráter, as decisões desde qual fonte ouvir até qual enfoque da matéria. Com base nisso o repórter Cristiano Navarro fez sua escolha: defender os direitos dos índios e reportar suas lutas.

“Os pistoleiros vieram gritando, pararam e desceram da caminhonete bem ali. Depois pegaram um galão de gasolina e botaram fogo em tudo, moço. Daí saíram dando tiros para todos lados. Então acertaram meu filho, que caiu logo ali. E você sabe como ele morreu? assim de joelhos, pedindo pra não morrer”. Quem ouviu esse relato foi o jornalista Cristiano Navarro. “Naquele dia, em uma aldeia no interior do Maranhão, o depoimento da testemunha, um velho índio de mais de noventa anos, cego de um dos olhos e pai do cacique Guajajara, João Araújo, me ensinou algo definitivo sobre o jornalismo: a prioridade de fontes fala muito sobre o caráter do repórter. No lugar onde o ancião apontou, o líder Maruzan Camoraí ainda me revelou os vestígios da violência. 'Este é o sangue que nosso parente derramou lutando pela terra'”.

Essa foi a história que marcou a carreira do santista, que há quatro anos trabalha com a causa indígena. Ela foi usada pelo Ministério Público como acusação contra o Estado brasileiro na Organização dos Estados Americanos . “Imagine que três dias antes, a própria vítima havia denunciado à polícia e aos meios de comunicação que vinha sendo ameaçada de morte por capangas de um fazendeiro, que é político e invasor de suas terras. Entretanto, com a morte de Araújo, a primeira coisa que imprensa e policiais fizeram foram transformar as vítimas em criminosos. Então me pergunto: de que ponto e vista devo contar essa história e tantas outras semelhantes”.

Trabalhar com a causa indígena exige um engajamento maior porque implica visitar aldeias que ficam isoladas das grandes cidades. Navarro mudou de cidade e trabalha no Conselho Indigenista Missionário, o CIMI. “O impacto da mudança é grande porque os índios têm uma forma de pensar o mundo completamente diferente. A sua percepção como jornalista muda em contato com eles. É uma questão que ultrapassa o entendimento, exige sentimento”.

Não há muitos profissionais de imprensa trabalhando com índios. “Nos três primeiros anos, era editor do Poranti, eu fiquei muito preocupado com o fato de ser conhecido como o ‘Cristiano dos índios’. Agora penso que não há nada errado em ter um estigma que me identifique porque eu acredito nessa causa, eu trabalho para mudar alguma coisa”.

Espaço

O repórter é contundente ao afirmar que o jornalismo que faz não tem espaço nos grandes meios de comunicação. “Não é interessante que se paute a causa indígena para as empresas, que são anunciantes. Eu faço matérias que não têm grande circulação. Uso a Internet para ajudar a difundir”. A questão vai além por causa do problema com a terra. “As multinacionais querem a terra indígena para plantar pinheiros e os fazendeiros soja”.
O público que tem acesso as informações que Navarro produz é bem restrito. “Quem lê são formadores de opinião, quem se interessa ou tem aproximação pela causa, estudantes, antropólogos e religiosos”.

Deturpação

Outro problema enfrentado pelo jornalista é o preconceito com o índio. “Quando uso um índio como fonte percebo a indiferença das pessoas, elas dão mais credibilidade para outras fontes”.
Existe, também, a deturpação cultural do índio. “As pessoas não compreendem o que é o índio. Elas perguntam as coisas mais absurdas sobre eles para mim”. Há, ainda, a deturpação por interesse latifundiário. O índio tem um histórico de luta pela terra desde o inicio do Brasil. “O índio como movimento social, que luta pela terra que é um direito garantido pela constituição, passa a ser inimigo, não só dos fazendeiros. O índio só quer a terra dele, não quer poder nem acumular riquezas”.

Essa deturpação prejudica a sociedade no entendimento dos fatos, já que quando os índios tomam alguma atitude violenta, não é noticiado o que os levaram àquele ato. “O nosso jornalismo não contextualiza historicamente os fatos. Ele noticia que os cintalargas matou os garimpeiros. Porém não conta que eles tentaram afastar pacificamente os invasores de suas terras durante anos e não conseguiram. Até que tomaram uma atitude drástica”. Não foi noticiado em lugar nenhum a devastação desse povo. “Há 30 anos, os cintalargas eram 5 mil e hoje em dia são mil índios, mesmo eles se reproduzindo muito. A mídia não mostra que foram massacrados”.

O atual projeto de Navarro é formar comunicadores populares nas aldeias Guaranis, nos quatro países: Bolívia, Argentina, Brasil e Paraguai. “Antes cinco porque no Uruguai todos os índios Guaranis foram exterminados”. O objetivo é fortalecer a comunicação desses povos, já que a comunicação é um ponto da articulação política, e restabelecer a luta pelos direitos dos povos. “Entregamos um cartilha chamada Tem Aldeia na Política para os líderes, que fazem estudos junto com as comunidades”. A cartilha contém informações sobre política, como funcionam os partidos e qual a participação dos povos nesses processos. “E, é claro, o papel dos meios de comunicação nisso tudo”.

Começo

O jornalista, que se formou na UNISANTA, afirma que seu engajamento social começou ao decidir por essa profissão. "Escolhi jornalismo porque achava que tinha uma função de trabalho relevante para a sociedade, com o papel político claro de pautar as discussões do dia-a-dia das pessoas”. Durante a universidade, Navarro se aproximou do tema com leituras na área, por meio do movimento estudantil e pelo tema do seu Trabalho de Conclusão de Curso, que foi sobre Movimentos de Moradias em Santos. “Quando me formei estava desiludido com o jornalismo e não via perspectiva de trabalho. Minha visão mudou quando fui convidado pelo Renato Rovai para cobrir o Fórum Social Mundial de 2002.
Depois dessa cobertura o santista viu a possibilidade de trabalhar com o social dentro do jornalismo. “Vi pessoas do mundo inteiro que trabalham com comunicação alternativa, que tem uma perspectiva diferente das grandes redações”. Navarro também colaborou com a revista Caros Amigos, trabalhou na Sem Fronteiras e no Jornal Brasil de Fato.

29 de outubro de 2006

Refém de uma causa

“Desculpe, eu vim informá-los que vocês não poderão ficar neste hospital, pois o convênio médico não cobre este tipo de doença”. Foi com esta frieza que a representante de um dos quatro maiores convênios médicos do País disse para o tradutor e portador do vírus HIV Sérgio Tardelli e para a sua irmã, a jornalista Roseli Tardelli, que ele teria que deixar o hospital.

“Eu não acreditei quando aquela mulher disse aquilo. Eu não conseguia entender como uma pessoa podia ser tão desumana. Ela poderia ter me chamado para conversar fora do quarto, mas não. Ela preferiu dizer na frente do meu irmão”, lembra emocionada a jornalista.

Roseli mal sabia que isso era apenas o começo de uma luta sem fim contra uma doença que destrói sonhos e famílias e mata mais de 3 milhões de pessoas ao redor do mundo. Hoje, segundo a Agência de Notícias da Aids, 40 milhões de pessoas vivem com a doença.

Após lutas judiciais contra o convênio, Roseli e Sérgio conseguiram o que tanto sonhavam: garantir que os seguros-saúde e os convênios médicos cobrissem doenças pré-estabelecidas como a Aids. De acordo com a jornalista, na época o caso teve uma grande repercussão na mídia. “O Sérgio compareceu à primeira audiência e passou mal. O juiz viu e disponibilizou um sofá para que ele deitasse. Naquela época, ele estava muito magro e fraco. Pesava 38 quilos”.

Outro fator que contribuiu para a vitória em primeira e segunda instâncias foi “a solidariedade dos colegas jornalistas, que abriram espaço para que o tema fosse discutido, e a solidariedade dos ativistas, que passaram a discutir mais a questão. Por causa disso, nós conseguimos ganhar a causa. E, por incrível que pareça, também houve solidariedade e agilidade da Justiça”.

Apesar de terem vencido, uma questão ainda inquietava o tradutor. “Nós conseguimos, mas e os outros?”, se perguntava Sérgio.

A resposta veio, em maio de 2003, com a criação da Agência de Notícias da Aids. “A agência é a resposta para a pergunta que o meu irmão me fez, quando eu contei para ele que nós havíamos ganhado a causa. A nossa proposta é, justamente, mostrar que os outros também têm espaço para discutir a questão, os outros também podem colocar ações em prática; os outros também são humanos e têm que ter os seus direitos garantidos. Enfim, é uma resposta aos outros”.

Embora a jornalista tenha ficado abalada com a morte do irmão, em novembro de 1994, ela não desistiu e brigou para garantir espaço e credibilidade não só para a Agência de Notícias da Aids, mas também para as pessoas que vivem com o vírus HIV. “Quando uma pessoa morre com Aids, na situação em que o Sérgio morreu, fica muito difícil fazer de conta que não aconteceu nada”, diz Roseli. “Nós pegamos um momento da Aids no qual não se tinha o que fazer e, muito menos, para onde correr. Foi bastante difícil e me abalou muito, mas nós tínhamos que fazer algo. As pessoas precisavam se informar para se prevenir corretamente e também precisavam ter seus direitos garantidos”.

Hoje, a Agência de Notícias da Aids, que é especializada e tem como objetivos incentivar a mídia a falar mais sobre o assunto e estimular a prevenção, possui uma média de mais de 10 mil acessos diários. Todos os dias, o portal envia de três a quatro pautas para jornalistas de todo o País. No site, que é o http://www.agenciaaids.com.br/, o público tem acesso a notícias específicas sobre a Aids, artigos de especialistas, dados sobre a doença ao redor do mundo, uma lista com as datas dos principais eventos ligados ao tema, uma relação com as principais ONGs e títulos de livros sobre o tema.

Para quem pensa que o trabalho da agência é mais uma gota no oceano, Roseli, humildemente, provou o contrário. Por causa de uma matéria polêmica, a agência ganhou notoriedade, no Brasil e no mundo.

Em 2005, durante a realização do Fórum Aids: As Novas Descobertas e o Modelo Brasileiro de Assistência, o cientista e pesquisador norte-americano Robert Gallo, que se diz descobridor do vírus da Aids, apresentou a sua palestra desmerecendo o Programa Brasileiro de Combate à Aids. Intrigada com as declarações do cientista em relação ao programa, após a palestra Roseli Tardelli foi entrevistar o médico.

Durante a entrevista, a jornalista questionou Gallo. “Por que o senhor insiste em afirmar que o programa brasileiro é ruim? Sem ele, como as pessoas pobres terão acesso aos remédios?”, perguntou Roseli. “Com a maior falta de humanidade, o cientista respondeu ‘Poor people my ass’, que em português é nada mais nada menos do que pessoas pobres que se danem”.

De acordo com a jornalista, a matéria saiu nos principais jornais e portais do Brasil, como O Globo, Folha de S. Paulo, Jornal Nacional, UOL e Ig, entre outros. Em decorrência disso, a histórica frase de Robert Gallo ultrapassou as fronteiras e ganhou o mundo. O resultado foi automático: vários ativistas manifestaram repúdio ao cientista e, em decorrência das pressões de ONGs internacionais, o pesquisador teve cancelado o convite para apresentar a palestra de abertura do Congresso Centro-Americano de HIV/Aids, realizado em novembro de 2005, em El Salvador.

Para a criadora da Agência de Notícias da Aids, a repercussão da matéria sobre o pesquisador é mais um exemplo de que o jornalismo social pode dar certo e que para que isso aconteça não importa se o veículo é pequeno ou grande. “Nós somos um site tão pequenino. Estamos aqui na Avenida Paulista, enquanto ele (Robert Gallo) está do outro lado do mundo. Eu fiquei muito feliz com o resultado da matéria. Não porque eu esteja brigando com ele, não é isso. Mas porque é isso que tem que acontecer. Tem que haver uma reação de indignação das pessoas, afinal, apesar dos problemas que o País tem, o nosso programa de combate à Aids é considerado o melhor”. Para ela, “o Brasil está dando certo porque construiu um a resposta cidadã. O mundo também pode construir esta resposta dentro das suas culturas”.

O papel do jornalista

Roseli, que já trabalhou na Folha de S. Paulo, no SBT e na TV Gazeta, além de ter sido a única mulher a apresentar o Roda Viva , da TV Cultura, por mais tempo (um ano e meio), acredita que temas como a Aids só terão maior destaque no noticiário a partir do momento em que os jornalistas tiverem um olhar mais crítico e diferenciado. “É preciso estimular discussões, como: para que serve o jornalismo? Quando vamos escrever, estamos defendendo o quê? Que interesse esta matéria tem para o público? É por meio de questionamentos como estes que os jornalistas vão desenvolver um papel social”.

A jornalista diz também que estas discussões só irão acontecer se as universidades começarem a estimular os estudantes. “Não sei se uma disciplina de jornalismo social seria eficiente. Talvez, o melhor seria que as faculdades estimulassem os estudantes de Jornalismo a compreender como as ações sociais são importantes. Isso poderia ser feito por meio de seminários e palestras, ou até mesmo com estudo e pesquisa de ações sociais que têm sido feitas por comunidades e ONGs”.

Ela conclui dizendo que não basta divulgar. “O papel do jornalista é muito mais do isso. Ele deve contribuir para que a sociedade seja mais crítica, mostrando que todos somos responsáveis e que soluções são possíveis, basta cada um estar atento e fazer a sua parte”.

Preconceito x Imprensa

Roseli Tardelli diz que, embora a imprensa nos anos 80 tenha se precipitado ao divulgar que a Aids estava limitada aos homossexuais, ainda há tempo de os jornalistas executarem o seu papel com seriedade e mais responsabilidade. “No começo, até por falta de conhecimento e pelo fato de a doença ser muito nova, nós erramos ao divulgar que a Aids era um câncer gay e uma peste gay. Talvez, se tivéssemos dito ‘somos todos vulneráveis’, a história teria sido diferente. Mas ainda está em tempo de a mídia se mostrar solidária à causa”.

Para a criadora da Agência de Notícias da Aids, uma forma de se fazer isso é criar cursos de capacitação para jornalistas para que eles possam cobrir o tema de forma correta. “Com isso, mais profissionais ficarão sensibilizados com o tema e as reportagens terão como tema central a prevenção”.

Um exemplo citado por Roseli é o curso do qual ela participou, na África, em 2005, em que vários jornalistas daquele continente puderam aprender como noticiar o tema. A idéia é fazer um intercâmbio de conhecimento, ou seja, no próximo ano, trazer estes jornalistas para conhecer como o assunto é abordado no Brasil.

Marketing x Responsabilidade social

Apesar de muitas empresas se envolverem nas causas sociais mais por uma questão de marketing, do que propriamente por ideais, para Roseli Tardelli toda ação vale a pena. “Mesmo que seja uma estratégia de marketing, como nós vivemos em um mundo com tanta desigualdade, qualquer trabalho social vale a pena. A partir do momento em que você está tentando ajudar o outro, ou seja, que não tem como lutar por si mesmo, sempre vale a pena”.

O Sonho

Instalada no coração de São Paulo – mais precisamente, na Avenida Paulista – a equipe da Agência de Notícias da Aids luta diariamente para se manter independente das dificuldades que uma agência pequena enfrenta. Roseli Tardelli quer dar continuidade ao sonho que começou com o irmão Sérgio e que hoje é a sua vida.

Ela vê no jornalismo social uma forma de viabilizar ações para contribuir para um mundo melhor. “Hoje, eu sou refém de uma causa e pretendo levar para o resto da minha vida esse projeto. Ele não vai me deixar rica. Isso nunca vai acontecer. É um projeto que tem de continuar por causa da importância que ele exerce dentro das redações. Não tem uma matéria grande em que não nos liguem para perguntar alguma coisa. Então, esse espaço que nós queríamos conquistar nós conquistamos e vamos fazer o máximo para dar continuidade a este sonho”.

20 de outubro de 2006

Jornalista a serviço do mundo

“Na volta do trabalho peguei um ônibus e percebi que o cobrador estava lendo a matéria que eu escrevi. Eu nunca tinha tido a dimensão da notícia. Neste momento eu entendi essa responsabilidade. E isso refletiu nas minhas escolhas”. É assim que o jornalista Fábio de Castro, um dos fundadores da Agência Repórter Social, conta como se envolveu com o jornalismo social. Castro acredita que o social permeia todas as outras editorias, isto é, pode ser feito um jornalismo socialmente responsável em qualquer área. “O social está na forma de fazer. É ouvir outras fontes além da oficial, que também deve ser ouvida, mas não a única”. É olhar sob um prisma diferente.

O jornalista, que nasceu em Santos, começou sua carreira no jornal Notícias Populares, em 1994, na editoria de Variedades. “O NP trabalhava no limite da ética jornalística e foi aí que comecei a tratar dessa questão. Depois, eu concluí que ela não estava dissociada. A responsabilidade social do jornalismo fazia parte da ética da profissão”.

Segundo Castro, o NP tinha um lado social. Por exemplo, as matérias de economia falavam de Previdência Social. “Nisso fui tendo contato com a linguagem social, que mostrava uma realidade mais verdadeira. Eu escrevia para moradores da periferia, gente que vive o dia-a-dia no limite”. Depois dessa experiência, o jornalista percebeu que não conseguiria ignorar esse lado.

Experiência

Fazer um jornalismo engajado implica ir a lugares onde a maioria dos jornalistas não vão. Fábio de Castro fez uma reportagem sobre ensino noturno e para isso visitou a periferia de São Paulo. “Falei com fontes do governo, sindicalistas, enfim, diversas pessoas de vários segmentos da sociedade. Mas, a maior diferença eu vi quando fui visitar uma escola no bairro do Grajaú, zona sul de São Paulo”. O Grajaú é um dos bairros mais violentos da Capital. Ao chegar lá, o jornalista percebeu o contraste com o bairro onde mora. “O lugar é muito degradado, populoso e movimentado”. A escola que visitou tinha vista para uma favela. “Não há contato nenhum com essa outra parte de São Paulo. O bairro tem várias histórias absurdas de pobreza e dificuldade”. O problema, para ele, está em ignorar esta outra parte de São Paulo. “O contraste social é gritante, as pessoas que estão aqui não têm noção do que tem do lado de lá. Há segregação, a periferia é separada da classe média. Não tem como dar certo uma sociedade na qual um pedaço ignora o outro”.

Esse é um dos papéis do jornalista, diz Castro, mostrar a realidade que alguns não vêem. “É uma mediação, um esforço de ao menos tornar conhecida a existência de ambas as partes que se ignoram”. É dar espaço para pessoas que não são fontes oficiais contar suas histórias e experiência de vida. “Outro dia entrevistei uma moradora de rua. Ela chegou do meu lado, enquanto eu entrevistava um dos líderes da ocupação na Prestes Maia, e falou ‘sou moradora de rua’. Eu liguei o gravador e disse ‘me conta sua história, seu cotidiano’. Isso pode não dizer muito para algumas pessoas, mas ela me explicou a rotina de muita gente na mesma situação. É uma história humana”.

Conseqüências

Um exemplo de matéria que produziu conseqüências imediatas foi sobre a Febem, elaborada pela Agência Repórter Social. “Entrevistamos um funcionário da Febem, que afirmou: ‘O diretor mandou bater, a gente bate’. A reação foi imediata. O Ministério Público pediu todo o material que apuramos, porque eles estavam abrindo uma sindicância com base nas denúncias da matéria”. Esta reportagem foi indicada para o Prêmio Caixa de Jornalismo Social.

O jornalista acredita que as matérias causam uma reação, que pode ser indignação nas pessoas, ou medidas por parte das autoridades. Ele cita como exemplo a ocupação na Avenida Prestes Maia, no Centro de São Paulo. “Chegou a um ponto crítico e ela seria invadida pela polícia. A imprensa se mobilizou. Isso com certeza isso influenciou o cancelamento da invasão”. Com matérias publicadas sobre o assunto, o governo municipal ficou sabendo que o Movimento dos Sem-Teto estava informado, sabia quem era quem no governo, quem mandaria a tropa de choque. “Isso deve ter feito o responsável refletir e decidir segurar. Com certeza foi com ajuda da imprensa”.

Para Castro, o jornalista faz papel de ponte entre a sociedade e as autoridades. “As autoridades não têm contato com as pessoas, passam no máximo em um carro blindado para olhar a periferia. Nós jornalistas temos contato, fazemos esta mediação social entre governo e população ou movimento social”.

O profissional de imprensa tem um trânsito social muito amplo, o que não é possível em quase nenhuma outra profissão. “Na mesma tarde entrevistei um morador de rua, o presidente da CDHU e alguns empresários. É interessante ver como cada um não tem noção do que o outro está falando. Você menciona, durante a entrevista, ‘falei com o líder do movimento tal e ele disse isso’ e o outro responde ‘é exatamente isso que estou buscando’. Eles concordam e pensam a mesma coisa, só que não falam a mesma língua. É aí que entra o jornalista. Dá para mudar alguma coisa com o nosso trabalho”.

Espaço

Na opinião do jornalista, matérias de cunho social não têm muito espaço. “Até estão presentes na grande mídia. Mas o espaço é reduzido”. Isso ocorre porque há conflito com a lógica de mercado dos jornais, segundo Castro. “Eles querem vender jornal e quem compra jornal é quem tem dinheiro, e quem tem dinheiro não quer saber de movimentos sociais e coisas do gênero”.

Outro fator são as fontes. “Pela experiência prática, as matérias sociais publicadas têm somente fontes oficiais. As fontes ligadas aos movimentos sociais quase nunca são usadas. Também as fontes ligadas a universidades têm produção de relevância social, mas não são exploradas como deveriam”.

Para Castro, a área social tem espaço potencial, mas falta vontade nos meios de comunicação. “Chega tanto material na agência que penso como ele não está nas capas”. A Agência Repórter Social envia diariamente, por e-mail, a Agenda da Cidadania com os eventos na área social, como modo de estimular a cobertura nessa área. “Quando vamos cobrir os eventos, constatamos que não têm jornalistas. Uma vez fui cobrir o lançamento de um livro que traçou o perfil da saúde no Estado de São Paulo, com dados específicos sobre diversos assuntos. Cada gráfico era uma pauta, uma grande reportagem, e só tinha eu de jornalista”.

Mudança da mídia

Para melhorar a cobertura de temas sociais, deve-se começar pelo profissional, pela sua formação, acredita Fábio de Castro. “Ele tem que ter uma noção maior do que é sua profissão, que vai muito além de um propagador de grandes espetáculos midiáticos. Se o jornalista for formado com uma dimensão da sua função, já é meio caminho andado para melhorar a cobertura das questões sociais”.

Um dos motivos para fundar a agência foi a falta de cobertura de qualidade nos eventos sociais, diz Castro. “Os eventos eram cobertos pelas próprias ONGs, ou seja não eram jornalistas. Ou então eram pessoas engajadas e de esquerda, que é um jornalismo menos isento. O jornalismo social não é necessariamente de esquerda, pode até ser de esquerda, mas sem viés ideológico. Não importa se sou de esquerda ou não”.

Um meio que ajuda a difundir e fortalecer a área social é a Internet, que possibilita a mobilização das pessoas. “A Internet foi um dos condicionantes para a consolidação da agência. Facilita todo o processo, forma-se uma rede e todos são facilmente encontrados. No início não levamos muito a sério o site, mas vimos pelo número de acessos que tinha bastante gente ligada nele”.

Definição de jornalismo social

O jornalismo social é, muitas vezes, usado entre aspas, como um neologismo. Não há um conceito definido do mesmo jeito que existe para o cultural, o econômico, o esportivo. “Acredito que todos estão interligados. No site temos 16 editorias. Na editoria de economia, por exemplo, não faríamos uma matéria sobre taxa selic, mas faríamos uma sobre crédito solidário. Quer dizer, o foco é diferente, mas não deixa de ser economia”.

O que caracteriza o jornalismo social é a forma como é feito, não o tema escolhido. “É um modo de fazer, colocando sempre em primeiro plano a aproximação dos temas com a população. Entrevistar um cientista, mas tratar de um tema que faça diferença na vida das pessoas. Esse seria o sentido mais amplo”. O jornalismo social seria (ou deveria ser) aquele que cobre temas de relevância social. “Podem argumentar que todo tema tem relevância, mas as questões sociais, os problemas que vemos não é o que lemos nas páginas dos jornais”.

Formação

O santista Fábio de Castro cursou Jornalismo na Escola de Comunicações e Artes, da Universidade de São Paulo, entre 1990 e 1996. “Eu parava e voltava, mas achei extremamente positivo, consegui aproveitar muito do que a faculdade me oferecia”. Para complementar, cursou Filosofia, também na USP, de 1997 a 1999, mas parou porque não conseguia conciliar com suas atividades profissionais. “O curso foi muito importante para eu desenvolver jeitos diferentes de pensar. Estava trabalhando com jornalismo e fazendo Filosofia. Com isso eu refletia sobre minha profissão”.

Em 2000, Castro trabalhava no site da OAB e na Agência Reuters quando resolveu fazer mestrado. “Mandei um projeto para França, para um curso que me interessou, e passei. Optei por largar tudo e ir para lá estudar por um ano. Voltei para o Brasil e fiz uma pós latu senso de Jornalismo Científico na Unicamp, porque acredito que a ciência é um campo social importante”.

Ao terminar a pós, Castro se desanimou com o jornalismo e decidiu se reunir com alguns amigos com ideais comuns e fundar seu próprio meio, para fazer um jornalismo socialmente responsável. “Fundamos a agência em 2004. Atualmente são cinco jornalistas na agência. Fomos indicados em alguns prêmios, como o Caixa de Jornalismo Social de 2003, e tivemos menção honrosa no Vladimir Herzog de 2004”.

19 de outubro de 2006

A Serviço da Sociedade



A revista Mídia Social procura mostrar o engajamento social de jornalistas, em diversos meios de comunicação. Por meio de entrevistas, revelamos a trajetória destes profissionais que se envolvem com temas do terceiro setor e direitos humanos, procurando retratar os fatos sob a ótica do cidadão.

Ao contar as histórias dos repórteres que tentam mudar a situação social brasileira é um modo de incentivar a prática de um jornalismo mais democrático e socialmente responsável, no qual o cidadão se sinta representado de fato.

Embora a área social tenha um grande potencial a ser explorado, devido à diversidade de pautas, o espaço dado a ela não é compatível com sua importância. A imprensa brasileira ainda cobre de modo insuficiente este segmento, que sequer tem editoria especifica nos jornais. Pensando nisso, a revista Mídia Social pretende difundir a prática do jornalismo social e incentivar a reflexão sobre o que ele significa.

A palavra mídia é utilizada para designar os veículos de comunicação, no seu conjunto ou em particular. Para o professor inglês Roger Silverstone, a mídia é muito mais que empresas de comunicação e os profissionais que trabalham nelas. Ela poderia ser definida, segundo ele, a partir do ponto de vista da audiência, ou seja, dos cidadãos. O social é aquilo que é relativo à sociedade, às relações estabelecidas entre homens de uma comunidade, muitas vezes marcadas por desigualdades. Assim, juntando a mídia com o social podemos fazer um jornalismo capaz de trazer conseqüências positivas para a sociedade.

As editoras,

Bianca Pyl e Michelle Barreto