“Na volta do trabalho peguei um ônibus e percebi que o cobrador estava lendo a matéria que eu escrevi. Eu nunca tinha tido a dimensão da notícia. Neste momento eu entendi essa responsabilidade. E isso refletiu nas minhas escolhas”. É assim que o jornalista Fábio de Castro, um dos fundadores da Agência Repórter Social, conta como se envolveu com o jornalismo social. Castro acredita que o social permeia todas as outras editorias, isto é, pode ser feito um jornalismo socialmente responsável em qualquer área. “O social está na forma de fazer. É ouvir outras fontes além da oficial, que também deve ser ouvida, mas não a única”. É olhar sob um prisma diferente.
O jornalista, que nasceu em Santos, começou sua carreira no jornal Notícias Populares, em 1994, na editoria de Variedades. “O NP trabalhava no limite da ética jornalística e foi aí que comecei a tratar dessa questão. Depois, eu concluí que ela não estava dissociada. A responsabilidade social do jornalismo fazia parte da ética da profissão”.
Segundo Castro, o NP tinha um lado social. Por exemplo, as matérias de economia falavam de Previdência Social. “Nisso fui tendo contato com a linguagem social, que mostrava uma realidade mais verdadeira. Eu escrevia para moradores da periferia, gente que vive o dia-a-dia no limite”. Depois dessa experiência, o jornalista percebeu que não conseguiria ignorar esse lado.
Experiência
Fazer um jornalismo engajado implica ir a lugares onde a maioria dos jornalistas não vão. Fábio de Castro fez uma reportagem sobre ensino noturno e para isso visitou a periferia de São Paulo. “Falei com fontes do governo, sindicalistas, enfim, diversas pessoas de vários segmentos da sociedade. Mas, a maior diferença eu vi quando fui visitar uma escola no bairro do Grajaú, zona sul de São Paulo”. O Grajaú é um dos bairros mais violentos da Capital. Ao chegar lá, o jornalista percebeu o contraste com o bairro onde mora. “O lugar é muito degradado, populoso e movimentado”. A escola que visitou tinha vista para uma favela. “Não há contato nenhum com essa outra parte de São Paulo. O bairro tem várias histórias absurdas de pobreza e dificuldade”. O problema, para ele, está em ignorar esta outra parte de São Paulo. “O contraste social é gritante, as pessoas que estão aqui não têm noção do que tem do lado de lá. Há segregação, a periferia é separada da classe média. Não tem como dar certo uma sociedade na qual um pedaço ignora o outro”.
Esse é um dos papéis do jornalista, diz Castro, mostrar a realidade que alguns não vêem. “É uma mediação, um esforço de ao menos tornar conhecida a existência de ambas as partes que se ignoram”. É dar espaço para pessoas que não são fontes oficiais contar suas histórias e experiência de vida. “Outro dia entrevistei uma moradora de rua. Ela chegou do meu lado, enquanto eu entrevistava um dos líderes da ocupação na Prestes Maia, e falou ‘sou moradora de rua’. Eu liguei o gravador e disse ‘me conta sua história, seu cotidiano’. Isso pode não dizer muito para algumas pessoas, mas ela me explicou a rotina de muita gente na mesma situação. É uma história humana”.
Conseqüências
Um exemplo de matéria que produziu conseqüências imediatas foi sobre a Febem, elaborada pela Agência Repórter Social. “Entrevistamos um funcionário da Febem, que afirmou: ‘O diretor mandou bater, a gente bate’. A reação foi imediata. O Ministério Público pediu todo o material que apuramos, porque eles estavam abrindo uma sindicância com base nas denúncias da matéria”. Esta reportagem foi indicada para o Prêmio Caixa de Jornalismo Social.
O jornalista acredita que as matérias causam uma reação, que pode ser indignação nas pessoas, ou medidas por parte das autoridades. Ele cita como exemplo a ocupação na Avenida Prestes Maia, no Centro de São Paulo. “Chegou a um ponto crítico e ela seria invadida pela polícia. A imprensa se mobilizou. Isso com certeza isso influenciou o cancelamento da invasão”. Com matérias publicadas sobre o assunto, o governo municipal ficou sabendo que o Movimento dos Sem-Teto estava informado, sabia quem era quem no governo, quem mandaria a tropa de choque. “Isso deve ter feito o responsável refletir e decidir segurar. Com certeza foi com ajuda da imprensa”.
Para Castro, o jornalista faz papel de ponte entre a sociedade e as autoridades. “As autoridades não têm contato com as pessoas, passam no máximo em um carro blindado para olhar a periferia. Nós jornalistas temos contato, fazemos esta mediação social entre governo e população ou movimento social”.
O profissional de imprensa tem um trânsito social muito amplo, o que não é possível em quase nenhuma outra profissão. “Na mesma tarde entrevistei um morador de rua, o presidente da CDHU e alguns empresários. É interessante ver como cada um não tem noção do que o outro está falando. Você menciona, durante a entrevista, ‘falei com o líder do movimento tal e ele disse isso’ e o outro responde ‘é exatamente isso que estou buscando’. Eles concordam e pensam a mesma coisa, só que não falam a mesma língua. É aí que entra o jornalista. Dá para mudar alguma coisa com o nosso trabalho”.
Espaço
Na opinião do jornalista, matérias de cunho social não têm muito espaço. “Até estão presentes na grande mídia. Mas o espaço é reduzido”. Isso ocorre porque há conflito com a lógica de mercado dos jornais, segundo Castro. “Eles querem vender jornal e quem compra jornal é quem tem dinheiro, e quem tem dinheiro não quer saber de movimentos sociais e coisas do gênero”.
Outro fator são as fontes. “Pela experiência prática, as matérias sociais publicadas têm somente fontes oficiais. As fontes ligadas aos movimentos sociais quase nunca são usadas. Também as fontes ligadas a universidades têm produção de relevância social, mas não são exploradas como deveriam”.
Para Castro, a área social tem espaço potencial, mas falta vontade nos meios de comunicação. “Chega tanto material na agência que penso como ele não está nas capas”. A Agência Repórter Social envia diariamente, por e-mail, a Agenda da Cidadania com os eventos na área social, como modo de estimular a cobertura nessa área. “Quando vamos cobrir os eventos, constatamos que não têm jornalistas. Uma vez fui cobrir o lançamento de um livro que traçou o perfil da saúde no Estado de São Paulo, com dados específicos sobre diversos assuntos. Cada gráfico era uma pauta, uma grande reportagem, e só tinha eu de jornalista”.
Mudança da mídia
Para melhorar a cobertura de temas sociais, deve-se começar pelo profissional, pela sua formação, acredita Fábio de Castro. “Ele tem que ter uma noção maior do que é sua profissão, que vai muito além de um propagador de grandes espetáculos midiáticos. Se o jornalista for formado com uma dimensão da sua função, já é meio caminho andado para melhorar a cobertura das questões sociais”.
Um dos motivos para fundar a agência foi a falta de cobertura de qualidade nos eventos sociais, diz Castro. “Os eventos eram cobertos pelas próprias ONGs, ou seja não eram jornalistas. Ou então eram pessoas engajadas e de esquerda, que é um jornalismo menos isento. O jornalismo social não é necessariamente de esquerda, pode até ser de esquerda, mas sem viés ideológico. Não importa se sou de esquerda ou não”.
Um meio que ajuda a difundir e fortalecer a área social é a Internet, que possibilita a mobilização das pessoas. “A Internet foi um dos condicionantes para a consolidação da agência. Facilita todo o processo, forma-se uma rede e todos são facilmente encontrados. No início não levamos muito a sério o site, mas vimos pelo número de acessos que tinha bastante gente ligada nele”.
Definição de jornalismo social
O jornalismo social é, muitas vezes, usado entre aspas, como um neologismo. Não há um conceito definido do mesmo jeito que existe para o cultural, o econômico, o esportivo. “Acredito que todos estão interligados. No site temos 16 editorias. Na editoria de economia, por exemplo, não faríamos uma matéria sobre taxa selic, mas faríamos uma sobre crédito solidário. Quer dizer, o foco é diferente, mas não deixa de ser economia”.
O que caracteriza o jornalismo social é a forma como é feito, não o tema escolhido. “É um modo de fazer, colocando sempre em primeiro plano a aproximação dos temas com a população. Entrevistar um cientista, mas tratar de um tema que faça diferença na vida das pessoas. Esse seria o sentido mais amplo”. O jornalismo social seria (ou deveria ser) aquele que cobre temas de relevância social. “Podem argumentar que todo tema tem relevância, mas as questões sociais, os problemas que vemos não é o que lemos nas páginas dos jornais”.
Formação
O santista Fábio de Castro cursou Jornalismo na Escola de Comunicações e Artes, da Universidade de São Paulo, entre 1990 e 1996. “Eu parava e voltava, mas achei extremamente positivo, consegui aproveitar muito do que a faculdade me oferecia”. Para complementar, cursou Filosofia, também na USP, de 1997 a 1999, mas parou porque não conseguia conciliar com suas atividades profissionais. “O curso foi muito importante para eu desenvolver jeitos diferentes de pensar. Estava trabalhando com jornalismo e fazendo Filosofia. Com isso eu refletia sobre minha profissão”.
Em 2000, Castro trabalhava no site da OAB e na Agência Reuters quando resolveu fazer mestrado. “Mandei um projeto para França, para um curso que me interessou, e passei. Optei por largar tudo e ir para lá estudar por um ano. Voltei para o Brasil e fiz uma pós latu senso de Jornalismo Científico na Unicamp, porque acredito que a ciência é um campo social importante”.
Ao terminar a pós, Castro se desanimou com o jornalismo e decidiu se reunir com alguns amigos com ideais comuns e fundar seu próprio meio, para fazer um jornalismo socialmente responsável. “Fundamos a agência em 2004. Atualmente são cinco jornalistas na agência. Fomos indicados em alguns prêmios, como o Caixa de Jornalismo Social de 2003, e tivemos menção honrosa no Vladimir Herzog de 2004”.
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