Decência. Não foi isso que o jornalista Adalberto Marcondes, da Revista Eletrônica Envolverde, encontrou durante a cobertura das eleições para governador, no Amazonas, em 1986. Apesar da pauta ser política, ele enxergou o que muitos jornalistas ainda não conseguem ver, ou fingem não ter visto.
É o próprio Marcondes quem conta: “Vi a miséria e o desespero de uma mãe que preferiu vender a filha, de 12 anos, a um garimpeiro, para poder dar um prato de comida para os outros filhos. Aquilo me tocou muito e me colocou diante uma realidade que não era possível aceitar. Ela tinha que fazer uma opção: ou vendia a filha e com aquele dinheiro comprava as coisas para os outros filhos, ou então todos iam continuar passando fome. Então, eu acho que um mundo em que a mãe tem que enfrentar esse dilema não é um mundo correto, não é um mundo decente, não é lugar bom para se viver. E ter visto isso mudou a minha visão de mundo e o sentido do meu trabalho”.
Esse acontecimento foi fundamental para que o olhar social do jornalista despertasse. “Esta cena marcou a minha decisão de trabalhar com determinados tipos de informações, que levassem as pessoas a refletir sobre a realidade e sobre o tipo de mundo que elas gostariam de deixar para as gerações futuras”, relembra.
Na busca de um mundo mais decente, surgia, há 10 anos, a revista eletrônica Envolverde, que por meio da divulgação de notícias de cunho social retrata um Brasil sem disfarces. “A Envolverde quer levar para o noticiário diário assuntos como o da menina que foi vendida. Temos que fazer as pessoas refletirem sobre o que podem fazer para que problemas como esse não aconteçam mais”.
Segundo Adalberto Marcondes, como toda mídia pequena, a Envolverde teve que superar muitas dificuldades para chegar onde chegou. Ele não desistiu e, hoje, o site possui o patrocínio da Cavo, empresa especializada em engenharia e conservação ambiental, e é parceira de outras Ongs, como a AW4 Tecnologia, Agência Internacional Inter Press Service e Terra América.
De acordo com Marcondes, a revista, que foi vencedora do 6º Prêmio Ethos de Jornalismo na categoria Mídia Digital, tem uma média de quase 5 mil acessos por dia, o que, mensalmente, equivale a mais de 1 milhão e meio de pessoas visitando o portal.
Marcondes admite que o número de leitores interessados ainda não é suficiente para que temas como meio ambiente, educação e cidadania façam parte do cotidiano da mídia. Ele explica que isso acontece porque boa parte da mídia ainda tem preconceito em relação a esse tipo de tema. “A imprensa procura trabalhar com temas que tenham alguma relevância momentânea para poder vender jornal e acaba não dando destaque para as minorias. Logo, o debate não é feito pela sociedade”.
O jornalista afirma que esse preconceito pôde ser visto durante a cobertura da instauração de cotas para negros e índios nas universidades federais e estaduais. “As matérias estão cheias de preconceitos e desinformação. Não é um debate claro sobre qual é o papel dessas cotas e porque se deveria bancá-las”.
Além disso, ele aponta outros exemplos envolvendo a questão racial, o gênero e o poder aquisitivo do brasileiro. “A questão racial é tratada de forma absurda, afinal, se coloca o negro como minoria no Brasil, enquanto todos sabemos que mais de 50% da população é formada por negros. Outro dia eu ouvi: 'As minorias brasileiras: negros, mulheres e pobres’. Eu pensei, vocês estão loucos, porque as mulheres formam 51%, ou seja, são maioria, e não minoria. Os negros também compõem boa parte da população e, pelo que me consta, a maioria da população não está nadando em dinheiro”.
Ele também destaca a pobreza como tema desprezado pela mídia. “A pobreza é tratada pelo pitoresco, e não por ser uma coisa séria. As matérias são: ‘Brasil bate o recorde em desigualdade’. Isso nós já sabemos, e daí? O que se pode fazer?”, questiona Adalberto Marcondes.
Para ele, o fato de a mídia não conseguir trabalhar com as minorias, com a miséria e com políticas públicas contribui para que os leitores tenham uma visão rasa e superficial da realidade que, na maioria das vezes, é a de pequena parcela da classe média. “Quem assiste à Rede Globo acha que nós moramos em um País como a Espanha, a Bélgica, ou seja, um País de segundo mundo ajeitado, e não um país de terceiro mundo”.
Segundo o criador da Envolverde, uma das formas de fazer com que a sociedade passe a enxergar o País com outros olhos, sem o glamour das novelas, é por meio do trabalho do jornalista. “A imprensa tem que ficar mais atenta ao que acontece no País. Ela tem que estar mais preparada e sensibilizada com o que acontece à sua volta para poder divulgar assuntos de relevância nacional, e não fofocas”.
Mas para que o jornalista tenha essa sensibilidade, é necessário que essa percepção seja desenvolvida desde o começo da carreira, ou seja, quando ele ainda está na faculdade. “Acredito que a inserção de uma disciplina de jornalismo social não resolveria o problema, porque estaríamos burocratizando o social. Porém, se a faculdade tiver um projeto de realizar palestras com pessoas que trabalham com terceiro setor, fica mais fácil haver interação desses jovens com o tema. Afinal, o estudante passa ter contato com muita gente, com muitas idéias, com muitos conhecimentos, e isso acaba abrindo o seu leque de raciocínio. Ele conhece muitas idéias e, a partir disso, decide quais são aquelas com as quais se identifica e está disposto a ir em frente”.
Marcondes, que já trabalhou em revistas como Isto É e Exame, nas agências de notícias France Presse e Estado e em jornais como Gazeta Mercantil e Estadão, reclama que ainda são poucas as reportagens sobre o tema que saem na mídia. “Na maioria das vezes, nós publicamos e um ou outro jornal vai atrás. Isso acontece por falta de conhecimento dos jornalistas”.
No entanto, se por um lado a Envoverde encontra dificuldade em ter o seu conteúdo espalhado por veículos da grande mídia, por outro ela ganha o mundo por meio da Internet, das redes de jornalistas ambientais que se formam no País e dos multiplicadores que o portal conquistou ao longo de 10 anos de existência.
Marcondes explica que, apesar de tudo, o portal tem vantagens, porque a Internet facilita muito a comunicação. “Disponibilizamos 25 editorias diferentes, que vão desde o tema água, até biodiversidade, lixo, energia, governo, saúde e cidadania. Com a nossa diversidade de pautas, atraímos diversos leitores. Além disso, o portal tem como público-alvo formadores de opinião, como jornalistas, advogados, ambientalistas, pesquisadores e universitários, que passam as informações adiante”.
A equipe da Envolverde pretende despertar nos jornalistas a sensibilidade necessária para trabalhar com temas sócio-ambientais. “É preciso que o jornalista esteja bem informado e seja insistente ao vender uma pauta. Só assim ele vai conseguir emplacar uma pauta, que por conta do seu conteúdo social provavelmente seria descartada. Mas se ele constrói essa pauta com relevância, criatividade e muita informação, uma hora vai conseguir emplacar”.
Embora alguns jornalistas acreditem que com a inserção de editoriais de meio ambiente, educação, ou até mesmo cidadania, o problema da falta de reportagens de cunho social estaria resolvido, para Marcondes isso não resolveria a questão. “O olhar ambiental tem que ser transversal, ou seja, tem que estar em todas as editorias. Se, por um lado, com a criação de editorias específicas o veículo passa a ser obrigado a preencher aquele caderno, por outro, se não souber trabalhar o tema corretamente, a proposta de conscientizar a sociedade vai por água abaixo”.
Ele enfatiza que é importante que o jornalista seja uma pessoa bem informada e que participe do que acontece na sua sociedade. “Caso contrário, acabará fazendo, sem perceber, marketing empresarial e não prestando um serviço à comunidade”.
Para o criador da Envolverde, a preocupação da sociedade com o meio ambiente aumentou com a realização da Eco – 92, realizada no Rio de Janeiro. Depois disso, houve uma queda no interesse das empresas e da própria população. O tema entrou novamente em voga em 2001 e, desde então, não parou mais de despertar interesse.
O jornalista acredita que este crescimento está relacionado a quatro fatores: à freqüência com que os desastres ambientais têm ocorrido; às empresas terem percebido que é necessário preservar o meio ambiente; ao trabalho de muitos ambientalistas, que tem surtido efeito no comportamento da população, que hoje recicla mais, por exemplo; e ao interesse das empresas em criar uma política de sustentabilidade para que possam continuar existindo. “Pela primeira vez, as grandes empresas estão preocupadas com sua perenidade, porque uma empresa não é como uma pessoa. Enquanto nós temos uma expectativa de vida de 70, 80 anos, elas sabem que continuarão a existir por 150 anos, ou até mais. Mas para uma empresa viver tanto, ela tem que olhar para o futuro e estar ciente de que precisa ter esse futuro. Então, ela não pode matar seus consumidores. Ela precisa ter matéria-prima, não pode esgotar os recursos naturais agora, porque precisará deles nos próximos anos. Com isso, elas mudaram a postura, para poderem ter uma vida mais longa”.
Nesse contexto, o trabalho do jornalista, diz Marcondes, serve principalmente para conscientizar as pessoas de que elas não podem ver os recursos naturais como se fossem eternos. “Temos de repensar modelos e fazer com que a sociedade pense no futuro que ela quer deixar para as próximas gerações”.
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