“Desculpe, eu vim informá-los que vocês não poderão ficar neste hospital, pois o convênio médico não cobre este tipo de doença”. Foi com esta frieza que a representante de um dos quatro maiores convênios médicos do País disse para o tradutor e portador do vírus HIV Sérgio Tardelli e para a sua irmã, a jornalista Roseli Tardelli, que ele teria que deixar o hospital.
“Eu não acreditei quando aquela mulher disse aquilo. Eu não conseguia entender como uma pessoa podia ser tão desumana. Ela poderia ter me chamado para conversar fora do quarto, mas não. Ela preferiu dizer na frente do meu irmão”, lembra emocionada a jornalista.
Roseli mal sabia que isso era apenas o começo de uma luta sem fim contra uma doença que destrói sonhos e famílias e mata mais de 3 milhões de pessoas ao redor do mundo. Hoje, segundo a Agência de Notícias da Aids, 40 milhões de pessoas vivem com a doença.
Após lutas judiciais contra o convênio, Roseli e Sérgio conseguiram o que tanto sonhavam: garantir que os seguros-saúde e os convênios médicos cobrissem doenças pré-estabelecidas como a Aids. De acordo com a jornalista, na época o caso teve uma grande repercussão na mídia. “O Sérgio compareceu à primeira audiência e passou mal. O juiz viu e disponibilizou um sofá para que ele deitasse. Naquela época, ele estava muito magro e fraco. Pesava 38 quilos”.
Outro fator que contribuiu para a vitória em primeira e segunda instâncias foi “a solidariedade dos colegas jornalistas, que abriram espaço para que o tema fosse discutido, e a solidariedade dos ativistas, que passaram a discutir mais a questão. Por causa disso, nós conseguimos ganhar a causa. E, por incrível que pareça, também houve solidariedade e agilidade da Justiça”.
Apesar de terem vencido, uma questão ainda inquietava o tradutor. “Nós conseguimos, mas e os outros?”, se perguntava Sérgio.
A resposta veio, em maio de 2003, com a criação da Agência de Notícias da Aids. “A agência é a resposta para a pergunta que o meu irmão me fez, quando eu contei para ele que nós havíamos ganhado a causa. A nossa proposta é, justamente, mostrar que os outros também têm espaço para discutir a questão, os outros também podem colocar ações em prática; os outros também são humanos e têm que ter os seus direitos garantidos. Enfim, é uma resposta aos outros”.
Embora a jornalista tenha ficado abalada com a morte do irmão, em novembro de 1994, ela não desistiu e brigou para garantir espaço e credibilidade não só para a Agência de Notícias da Aids, mas também para as pessoas que vivem com o vírus HIV. “Quando uma pessoa morre com Aids, na situação em que o Sérgio morreu, fica muito difícil fazer de conta que não aconteceu nada”, diz Roseli. “Nós pegamos um momento da Aids no qual não se tinha o que fazer e, muito menos, para onde correr. Foi bastante difícil e me abalou muito, mas nós tínhamos que fazer algo. As pessoas precisavam se informar para se prevenir corretamente e também precisavam ter seus direitos garantidos”.
Hoje, a Agência de Notícias da Aids, que é especializada e tem como objetivos incentivar a mídia a falar mais sobre o assunto e estimular a prevenção, possui uma média de mais de 10 mil acessos diários. Todos os dias, o portal envia de três a quatro pautas para jornalistas de todo o País. No site, que é o http://www.agenciaaids.com.br/, o público tem acesso a notícias específicas sobre a Aids, artigos de especialistas, dados sobre a doença ao redor do mundo, uma lista com as datas dos principais eventos ligados ao tema, uma relação com as principais ONGs e títulos de livros sobre o tema.
Para quem pensa que o trabalho da agência é mais uma gota no oceano, Roseli, humildemente, provou o contrário. Por causa de uma matéria polêmica, a agência ganhou notoriedade, no Brasil e no mundo.
Em 2005, durante a realização do Fórum Aids: As Novas Descobertas e o Modelo Brasileiro de Assistência, o cientista e pesquisador norte-americano Robert Gallo, que se diz descobridor do vírus da Aids, apresentou a sua palestra desmerecendo o Programa Brasileiro de Combate à Aids. Intrigada com as declarações do cientista em relação ao programa, após a palestra Roseli Tardelli foi entrevistar o médico.
Durante a entrevista, a jornalista questionou Gallo. “Por que o senhor insiste em afirmar que o programa brasileiro é ruim? Sem ele, como as pessoas pobres terão acesso aos remédios?”, perguntou Roseli. “Com a maior falta de humanidade, o cientista respondeu ‘Poor people my ass’, que em português é nada mais nada menos do que pessoas pobres que se danem”.
De acordo com a jornalista, a matéria saiu nos principais jornais e portais do Brasil, como O Globo, Folha de S. Paulo, Jornal Nacional, UOL e Ig, entre outros. Em decorrência disso, a histórica frase de Robert Gallo ultrapassou as fronteiras e ganhou o mundo. O resultado foi automático: vários ativistas manifestaram repúdio ao cientista e, em decorrência das pressões de ONGs internacionais, o pesquisador teve cancelado o convite para apresentar a palestra de abertura do Congresso Centro-Americano de HIV/Aids, realizado em novembro de 2005, em El Salvador.
Para a criadora da Agência de Notícias da Aids, a repercussão da matéria sobre o pesquisador é mais um exemplo de que o jornalismo social pode dar certo e que para que isso aconteça não importa se o veículo é pequeno ou grande. “Nós somos um site tão pequenino. Estamos aqui na Avenida Paulista, enquanto ele (Robert Gallo) está do outro lado do mundo. Eu fiquei muito feliz com o resultado da matéria. Não porque eu esteja brigando com ele, não é isso. Mas porque é isso que tem que acontecer. Tem que haver uma reação de indignação das pessoas, afinal, apesar dos problemas que o País tem, o nosso programa de combate à Aids é considerado o melhor”. Para ela, “o Brasil está dando certo porque construiu um a resposta cidadã. O mundo também pode construir esta resposta dentro das suas culturas”.
O papel do jornalista
Roseli, que já trabalhou na Folha de S. Paulo, no SBT e na TV Gazeta, além de ter sido a única mulher a apresentar o Roda Viva , da TV Cultura, por mais tempo (um ano e meio), acredita que temas como a Aids só terão maior destaque no noticiário a partir do momento em que os jornalistas tiverem um olhar mais crítico e diferenciado. “É preciso estimular discussões, como: para que serve o jornalismo? Quando vamos escrever, estamos defendendo o quê? Que interesse esta matéria tem para o público? É por meio de questionamentos como estes que os jornalistas vão desenvolver um papel social”.
A jornalista diz também que estas discussões só irão acontecer se as universidades começarem a estimular os estudantes. “Não sei se uma disciplina de jornalismo social seria eficiente. Talvez, o melhor seria que as faculdades estimulassem os estudantes de Jornalismo a compreender como as ações sociais são importantes. Isso poderia ser feito por meio de seminários e palestras, ou até mesmo com estudo e pesquisa de ações sociais que têm sido feitas por comunidades e ONGs”.
Ela conclui dizendo que não basta divulgar. “O papel do jornalista é muito mais do isso. Ele deve contribuir para que a sociedade seja mais crítica, mostrando que todos somos responsáveis e que soluções são possíveis, basta cada um estar atento e fazer a sua parte”.
Preconceito x Imprensa
Roseli Tardelli diz que, embora a imprensa nos anos 80 tenha se precipitado ao divulgar que a Aids estava limitada aos homossexuais, ainda há tempo de os jornalistas executarem o seu papel com seriedade e mais responsabilidade. “No começo, até por falta de conhecimento e pelo fato de a doença ser muito nova, nós erramos ao divulgar que a Aids era um câncer gay e uma peste gay. Talvez, se tivéssemos dito ‘somos todos vulneráveis’, a história teria sido diferente. Mas ainda está em tempo de a mídia se mostrar solidária à causa”.
Para a criadora da Agência de Notícias da Aids, uma forma de se fazer isso é criar cursos de capacitação para jornalistas para que eles possam cobrir o tema de forma correta. “Com isso, mais profissionais ficarão sensibilizados com o tema e as reportagens terão como tema central a prevenção”.
Um exemplo citado por Roseli é o curso do qual ela participou, na África, em 2005, em que vários jornalistas daquele continente puderam aprender como noticiar o tema. A idéia é fazer um intercâmbio de conhecimento, ou seja, no próximo ano, trazer estes jornalistas para conhecer como o assunto é abordado no Brasil.
Marketing x Responsabilidade social
Apesar de muitas empresas se envolverem nas causas sociais mais por uma questão de marketing, do que propriamente por ideais, para Roseli Tardelli toda ação vale a pena. “Mesmo que seja uma estratégia de marketing, como nós vivemos em um mundo com tanta desigualdade, qualquer trabalho social vale a pena. A partir do momento em que você está tentando ajudar o outro, ou seja, que não tem como lutar por si mesmo, sempre vale a pena”.
O Sonho
Instalada no coração de São Paulo – mais precisamente, na Avenida Paulista – a equipe da Agência de Notícias da Aids luta diariamente para se manter independente das dificuldades que uma agência pequena enfrenta. Roseli Tardelli quer dar continuidade ao sonho que começou com o irmão Sérgio e que hoje é a sua vida.
Ela vê no jornalismo social uma forma de viabilizar ações para contribuir para um mundo melhor. “Hoje, eu sou refém de uma causa e pretendo levar para o resto da minha vida esse projeto. Ele não vai me deixar rica. Isso nunca vai acontecer. É um projeto que tem de continuar por causa da importância que ele exerce dentro das redações. Não tem uma matéria grande em que não nos liguem para perguntar alguma coisa. Então, esse espaço que nós queríamos conquistar nós conquistamos e vamos fazer o máximo para dar continuidade a este sonho”.
2 comentários:
Michelle, Bianca e, claro, Eduardo,
Quando Bianca me entrevistou, não tinha dúvidas sobre o trabalho de vocês, mas vendo o resultado gostaria de dizer que os três devem ficar bastante orgulhosos. Até aqui o que mais me chamou atenção é o fato do tema ter uma diversidade de olhares sobre o que parece ser tão simples,e não é.
Enfim, parabéns ao grupo pelo excelente trabalho. Pena não poder acompanhar sua apresentação ao vivo no dia 22.
Grande abraço e colham os bons frutos que já estão maduros.
Moree ate eu agora estou aprendendo a gostar desse estilo de jornalismo... tb depois q vc e a bianca ficaram a madrugada toda pra termina esse trabalho aqui em casa (brincadeirinha) =p... ta legal pra caramba.... boaaa sorte... bjuuuuuus !!!
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