"A primeira vez que vi Rogério foi numa foto de família, com seus sete irmãos. Ele tinha os olhos grandes, braços e canelas fininhas. Era muito miúdo. Tinha 2 anos e 4 meses, mas, por causa da desnutrição, não falava e nem andava".
O menino é um dos personagens que a jornalista e documentarista Neide Duarte encontrou em São José da Tapera, no sertão de Alagoas. Lá, 70% são analfabetos, 92% não têm renda para sobreviver e mais da metade vive sem luz e água. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1997, das mil crianças que nasceram vivas na região, 147 morreram de desnutrição.
Lembrar das andanças pelo sertão nordestino ainda emociona a jornalista. Afinal, o espetáculo que Neide viu não foi o mesmo do cinema, cheio de glamour. Ela ficou frente a frente com a secura da caatinga e sentiu na pele o drama que muitos brasileiros vivem. “Conheci um Brasil que não passa na TV. Um Brasil de pessoas que, embora tenham aprendido a ler, não sabem expressar o que sentem, o que vivem, o que lhes falta. Encontrei um Brasil de gente que antes de pensar em ser cidadã, precisa se sentir humano", relembra a jornalista.
Segundo Neide, as descobertas que fez durante os últimos anos só foram possíveis por causa da criação do programa Caminhos e Parcerias, exibido entre 1999 e 2004 na TV Cultura. “Só percebi que havia um outro jornalismo quando comecei a fazer o Caminhos. A partir daí, o jornalismo social foi acontecendo na minha vida. Foi uma coisa que foi me pegando aos poucos, mas eu senti que nunca mais poderia escapar daquilo. É como se eu tivesse visto uma fresta e, por ter visto, eu não podia nunca mais fingir que não tinha visto. Eu era responsável por aquilo. Tudo foi fazendo sentido, como se várias coisas se encaixassem, como num quebra-cabeças".
Neide mal sabia que, enquanto narrava as tristezas nordestinas, iria moldar a própria história e finalmente encontrar a sua missão. “Para mim, contar as histórias de pessoas fragilizadas e valorizar estas histórias deixou de ser um trabalho e passou a ser a minha vida".
Uma das tristezas da jornalista é o fato de o programa ter chegado ao fim. De acordo com Neide, que agora é repórter especial da Rede Globo, isto aconteceu porque o patrocínio do programa acabou. “Acho incrível uma TV pública deixar o programa de lado. Caminhos e Parcerias era um programa que mostrava o Brasil e fazia com que as pessoas o conhecessem mais, fazendo com que mais gente visse que os problemas estavam longe de serem resolvidos e, conseqüentemente, ficassem mais atentas para cobrar mudanças". Ela explica, ainda, que esperou seis meses para ver se, de repente acontecia algo, sem resultados. “Neste meio tempo a Globo me fez uma proposta e eu fui para lá".
Apesar de o programa ter acabado, Neide Duarte ainda nutre o sonho de criar um programa como o Caminhos e Parcerias. “Ter um programa que mostre lugares esquecidos é fundamental para criar uma discussão na sociedade". A jornalista explica, que embora as pessoas tenham dado mais atenção para temas ligados ao terceiro setor, o que se vê na mídia ainda é pouco. “As empresas e a própria sociedade têm tido mais participação e, por isso, ultimamente, temos visto mais matérias. Mas infelizmente ainda há muito mais marketing do que propriamente ação".
Para a jornalista, o fato de a sociedade ter passado a se interessar mais sobre assuntos sociais nos últimos anos se deve à redemocratização. “No período da ditadura, as pessoas tinham outras preocupações. Como estávamos em guerra, não pensávamos em terceiro setor. Naquela época, ser social era estar politicamente engajado", relembra
Embora, segundo ela, as pessoas estejam mais predispostas ao tema, a maioria dos jornalistas deixa o tema de lado porque desconhece o assunto. “Falta uma visão maior da coisa. Falta instrução, conhecimento da própria história e de outras civilizações, também“. Ela completa dizendo que esta “falta de visão“ atinge, principalmente, os jovens jornalistas. “Os recém-formados estão inseridos no contexto do mundo de hoje, que preza o consumo excessivo. Isto está enraizado de uma forma muito forte e, por isso, não conseguem perceber que os valores mudaram e que tudo está trocado".
Mas não é só o jovem jornalista que está 'perdido'. Para Neide, a velha guarda do jornalismo ainda encontra dificuldades para trabalhar com o terceiro setor, enquanto, tantas mudanças sociais e tecnológicas acontecem. “Para os jornalistas com experiência já está difícil de perceber que tudo muda muito rápido, imagina para o recém-formado", comenta.
Neide Duarte salienta que, por causa deste desconhecimento, o que a sociedade acaba vendo são programas que parecem mais institucionais do que sociais. Ao invés de denunciar o problema pelo qual uma determinada comunidade passa e buscar uma solução junto às autoridades, a empresa (que, geralmente, é a patrocinadora do programa) mostra o problema como resolvido e ponto final. “Eu vejo muitos programas que parecem mais institucionais do que informativos e conscientiza-dores. Eles mostram que por causa de uma ação da 'empresa X' tudo mudou, quando na realidade não funciona bem assim. Um bom exemplo é o caso da falta d’água no Nordeste. Já vi programa que vendeu a idéia de que por causa de um projeto de cisternas da 'empresa X' o problema da falta d’água no Nordeste acabou, quando o problema continua lá. Na realidade, o projeto mudou a vida de uma comunidade específica, e não do povo todo do Nordeste".
jornalista acredita que o modo pelo o qual os programas televisivos vêm sendo desenvolvidos afetam diretamente a sociedade, que ao invés de confiar nos programas, vê um misto de amadorismo, publicidade e marketing empresarial. “Talvez as matérias de terceiro setor não ganhem mais notoriedade porque, na maioria das vezes, os programas parecem mais institucionais do que documentários que têm como objetivo colocar temas de importância nacional para serem discutidos".
Para Neide Duarte, o seu papel como comunicadora é justamente este: conscientizar, mobilizar as pessoas, plantar novos valores e comportamentos. Para ela, não basta retratar as histórias de desigualdade social que estão espalhadas pelo País e não mover uma palha. O jornalista, diz Neide, tem de traçar um caminho que nem sempre é feito em pistas modernas e bem sinalizadas. Ele não pode esquecer que vai traduzir o mundo para milhares de pessoas e contribuir para que mudanças sejam feitas. Talvez o pensamento de Ortega Y Gasset, lembrado pela jornalista, seja a melhor forma de dizer o modo como todos os jornalistas deveriam pensar, ao sentarem-se para escrever: “Eu sou eu e minhas circunstâncias. Eu sou eu e tudo o que vive e cresce em torno mim".
O menino é um dos personagens que a jornalista e documentarista Neide Duarte encontrou em São José da Tapera, no sertão de Alagoas. Lá, 70% são analfabetos, 92% não têm renda para sobreviver e mais da metade vive sem luz e água. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1997, das mil crianças que nasceram vivas na região, 147 morreram de desnutrição.
Lembrar das andanças pelo sertão nordestino ainda emociona a jornalista. Afinal, o espetáculo que Neide viu não foi o mesmo do cinema, cheio de glamour. Ela ficou frente a frente com a secura da caatinga e sentiu na pele o drama que muitos brasileiros vivem. “Conheci um Brasil que não passa na TV. Um Brasil de pessoas que, embora tenham aprendido a ler, não sabem expressar o que sentem, o que vivem, o que lhes falta. Encontrei um Brasil de gente que antes de pensar em ser cidadã, precisa se sentir humano", relembra a jornalista.
Segundo Neide, as descobertas que fez durante os últimos anos só foram possíveis por causa da criação do programa Caminhos e Parcerias, exibido entre 1999 e 2004 na TV Cultura. “Só percebi que havia um outro jornalismo quando comecei a fazer o Caminhos. A partir daí, o jornalismo social foi acontecendo na minha vida. Foi uma coisa que foi me pegando aos poucos, mas eu senti que nunca mais poderia escapar daquilo. É como se eu tivesse visto uma fresta e, por ter visto, eu não podia nunca mais fingir que não tinha visto. Eu era responsável por aquilo. Tudo foi fazendo sentido, como se várias coisas se encaixassem, como num quebra-cabeças".
Neide mal sabia que, enquanto narrava as tristezas nordestinas, iria moldar a própria história e finalmente encontrar a sua missão. “Para mim, contar as histórias de pessoas fragilizadas e valorizar estas histórias deixou de ser um trabalho e passou a ser a minha vida".
Uma das tristezas da jornalista é o fato de o programa ter chegado ao fim. De acordo com Neide, que agora é repórter especial da Rede Globo, isto aconteceu porque o patrocínio do programa acabou. “Acho incrível uma TV pública deixar o programa de lado. Caminhos e Parcerias era um programa que mostrava o Brasil e fazia com que as pessoas o conhecessem mais, fazendo com que mais gente visse que os problemas estavam longe de serem resolvidos e, conseqüentemente, ficassem mais atentas para cobrar mudanças". Ela explica, ainda, que esperou seis meses para ver se, de repente acontecia algo, sem resultados. “Neste meio tempo a Globo me fez uma proposta e eu fui para lá".
Apesar de o programa ter acabado, Neide Duarte ainda nutre o sonho de criar um programa como o Caminhos e Parcerias. “Ter um programa que mostre lugares esquecidos é fundamental para criar uma discussão na sociedade". A jornalista explica, que embora as pessoas tenham dado mais atenção para temas ligados ao terceiro setor, o que se vê na mídia ainda é pouco. “As empresas e a própria sociedade têm tido mais participação e, por isso, ultimamente, temos visto mais matérias. Mas infelizmente ainda há muito mais marketing do que propriamente ação".
Para a jornalista, o fato de a sociedade ter passado a se interessar mais sobre assuntos sociais nos últimos anos se deve à redemocratização. “No período da ditadura, as pessoas tinham outras preocupações. Como estávamos em guerra, não pensávamos em terceiro setor. Naquela época, ser social era estar politicamente engajado", relembra
Embora, segundo ela, as pessoas estejam mais predispostas ao tema, a maioria dos jornalistas deixa o tema de lado porque desconhece o assunto. “Falta uma visão maior da coisa. Falta instrução, conhecimento da própria história e de outras civilizações, também“. Ela completa dizendo que esta “falta de visão“ atinge, principalmente, os jovens jornalistas. “Os recém-formados estão inseridos no contexto do mundo de hoje, que preza o consumo excessivo. Isto está enraizado de uma forma muito forte e, por isso, não conseguem perceber que os valores mudaram e que tudo está trocado".
Mas não é só o jovem jornalista que está 'perdido'. Para Neide, a velha guarda do jornalismo ainda encontra dificuldades para trabalhar com o terceiro setor, enquanto, tantas mudanças sociais e tecnológicas acontecem. “Para os jornalistas com experiência já está difícil de perceber que tudo muda muito rápido, imagina para o recém-formado", comenta.
Neide Duarte salienta que, por causa deste desconhecimento, o que a sociedade acaba vendo são programas que parecem mais institucionais do que sociais. Ao invés de denunciar o problema pelo qual uma determinada comunidade passa e buscar uma solução junto às autoridades, a empresa (que, geralmente, é a patrocinadora do programa) mostra o problema como resolvido e ponto final. “Eu vejo muitos programas que parecem mais institucionais do que informativos e conscientiza-dores. Eles mostram que por causa de uma ação da 'empresa X' tudo mudou, quando na realidade não funciona bem assim. Um bom exemplo é o caso da falta d’água no Nordeste. Já vi programa que vendeu a idéia de que por causa de um projeto de cisternas da 'empresa X' o problema da falta d’água no Nordeste acabou, quando o problema continua lá. Na realidade, o projeto mudou a vida de uma comunidade específica, e não do povo todo do Nordeste".
jornalista acredita que o modo pelo o qual os programas televisivos vêm sendo desenvolvidos afetam diretamente a sociedade, que ao invés de confiar nos programas, vê um misto de amadorismo, publicidade e marketing empresarial. “Talvez as matérias de terceiro setor não ganhem mais notoriedade porque, na maioria das vezes, os programas parecem mais institucionais do que documentários que têm como objetivo colocar temas de importância nacional para serem discutidos".
Para Neide Duarte, o seu papel como comunicadora é justamente este: conscientizar, mobilizar as pessoas, plantar novos valores e comportamentos. Para ela, não basta retratar as histórias de desigualdade social que estão espalhadas pelo País e não mover uma palha. O jornalista, diz Neide, tem de traçar um caminho que nem sempre é feito em pistas modernas e bem sinalizadas. Ele não pode esquecer que vai traduzir o mundo para milhares de pessoas e contribuir para que mudanças sejam feitas. Talvez o pensamento de Ortega Y Gasset, lembrado pela jornalista, seja a melhor forma de dizer o modo como todos os jornalistas deveriam pensar, ao sentarem-se para escrever: “Eu sou eu e minhas circunstâncias. Eu sou eu e tudo o que vive e cresce em torno mim".
2 comentários:
Querida, este livro da Neide Duarte, "Frutos do Brasil", é um achado. Em meio a tanta coisa ruim que se vê, tanta coisa boa, frutífera. Depois quero te contar da Geração Mudamundo, que tenho certeza que você iria adorar.
Saudades mil.
Bjocas, Vivian
sou fã da neide duarte que para mim é uma das melhores jornalista que conheço pela tv, adorava ver esse programa caminhos e parcerias infelizmente td que é bom na tv acaba, é uma pessoa sensivil que passa pra quem ta asistindo a verdade que muitos gostam de esconder faz a pessoa valorizar seu dia dia e amar o proximo é o que falta mto nas pessoas hoje. um abraço e uma sujestão neide vc poderia abrir uma ong. caminhos e parcerias.
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