17 de abril de 2007

Movimentos socias sem preconceitos



"Um canavial tem a extensão
ante a qual todo metro é vão...
... Ante um canavial a
medida métrica é de todo
esquecida, porque
embora todo povoado,
povoa-o o pleno anonimato"
.

*João Cabral de Melo Neto

Na tentativa de desmistificar esse mundo rural, a jornalista da Carta Maior Verena Glass resolveu se lançar em meio a canaviais, terras improdutivas, fazendeiros, pistoleiros e trabalhadores rurais sem terra para desvendar esta realidade que, infelizmente, ainda é desconhecida por muitos brasileiros.

Seu envolvimento começou logo na adolescência, quando a jornalista ainda cursava o Ensino Médio. "Passei um ano trabalhando com movimentos de favelas, aqui em São Paulo. Nesta época, eu desenvolvia um trabalho na favela Monte Azul, na área de educação infantil".
Nesse meio tempo, Verena mal sabia que estava cada vez mais envolvida com o tema. "Quando saí do colegial eu não sabia o que fazer, mas já tinha uma idéia de que seria algo social. Só não sabia que seria ligado à área rural", relembra a jornalista.

Um dos primeiros trabalhos de Verena Glass, que cursou jornalismo na Unesp de Bauru, foi como assessora de imprensa da AS-PTA, que é uma rede de Ongs e associações que trabalham com agricultura agri-ecológica. "Passei dois anos no Paraná, desenvolvendo um trabalho de cidadania junto aos agricultores".

Para a jornalista, esse foi um dos principais trabalhos que ela desenvolveu na carreira. "Para se ter idéia, nós tínhamos uma escola da própria associação. Foi ótimo dar este curso, porque cheguei a ter alunos que não conseguiam sequer olhar para cima e, depois de um ano e meio, ver esse mesmo aluno fazendo discurso foi fantástico".
Não foi fácil sair da Capital, deixar os amigos e a família de lado, e ainda por cima se encontrar na profissão. A jornalista passou por maus bocados durante o período em que esteve no campo e sentiu muito medo ao assistir os embates de sem-terra contra policiais e fazendeiros protegidos por pistoleiros. Mas nada disso impediu que a jornalista continuasse a sua militância pelos movimentos sociais.

De todas estas situações que viu, uma em especial marcou Verena. A história começa em Francisco Beltrão, no Interior do Paraná onde ela presenciou conflitos entre sem-terra e pistoleiros.
Para combater conflitos e alertar a sociedade e as autoridades, Verena passou a fazer o máximo de reportagens sobre o tema. Mas, segundo a jornalista, as matérias sobre movimentos sociais na grande mídia ainda não são suficientes para atingir o público de uma forma mais efetiva. "A grande mídia deveria discutir mais o tema, mas sem preconceitos. Infelizmente, é muito difícil você encontrar uma reportagem que denomine uma ocupação de terras com a palavra ‘ocupação’. O que você vai encontrar é ‘sem-terra invadem terras no Pará’. Mas em nenhum momento a matéria mostra o motivo que levou àquela ocupação e se as terras ocupadas eram realmente produtivas, ou não".

Para Verena, esta visão equivocada dos meios de comunicação está relacionada a dois motivos: desconhecimento por parte do jornalista e interesses pessoais do repórter, ou do próprio veículo. "Além de existir uma cadeia ideológica muito forte dos veículos de comunicação, há a questão do desconhecimento. Quando você não conhece de perto uma determinada situação, a tendência é não saber tratar do assunto de uma forma correta. Eu digo isso, porque tenho a consciência de que a visão e o conhecimento que eu adquiri ao longo da minha carreira se deve ao período em que passei trabalhando como assessora em Francisco Beltrão, no Paraná, quando convivia com pessoas de movimentos rurais".
Verena acredita que esta situação só vai mudar a partir do momento em que o jornalista estiver mais sensível a questões que não recebem um grande desataque por estarem fora do agenda setting. Uma forma de ajudar na construção desse novo olhar seria por meio das universidades.
A idéia, segundo a jornalista, seria estimular a participação dos alunos em cursos de extensão que fossem ligados a áreas sociais, Ongs e associações que tivessem como objetivo o bem-estar de uma comunidade de forma prática, e não puramente assistencialista. "Hoje, tudo isto deveria fazer parte da vida do jornalista, mas ainda são poucos os que detêm esta sensibilidade e por isso acredito que as faculdades deveriam estimular um envolvimento direto com alguma ação social. Afinal, é diferente você ler sobre uma realidade e vivê-la por meio dos personagens que você ouviu. Só assim podemos encontrar o verdadeiro sentido da nossa profissão".

Por Verena Glass

"Já passavam das 6 horas e o sol estava brilhando. Enquanto, policiais e pistoleiros começavam a expulsar os posseiros, os fazendeiros da redondeza já sentiam a terra mais próxima de suas mãos. Seis meses depois do ocorrido, os sem-terra mostram para esses fazendeiros que a luta pela terra não estava ganha por causa da contratação de pistoleiros. Para que isso acontecesse, era necessário ter inteligência, rapidez e táticas ousadas.
Eu era assessora da Assesoar (Associação de Estudos Orientação e Assistência Rural), ligada à AS-PTA (Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa), que articulava uma série de Ongs e movimentos sociais ligados à agroecologia, em uma manhã, fui surpreendida com um telefonema que dizia que a área da qual os sem-terra haviam sido expulsos era desejada por dois fazendeiros da redondeza. Por conta disso, os posseiros seriam expulsos naquela manhã por pistoleiros e policiais. Fui até o local e consegui retratar o final daquele despejo violento. Tirei muitas fotos e consegui fazer um vídeo, também. Este material, que foi enviado ao então governador do Paraná, Jaimer Lerner, e para o ministério da Justiça, contribuiu para a exoneração do delegado que liderou esta ação, mas não ajudou os posseiros a serem retirados da beira da estrada.

Seis meses após este despejo, recebi um outro telefonema, no qual a fonte disse que os pistoleiros responsáveis pelo despejo iriam voltar e ocupar de vez a terra. A partir deste recado, começou toda uma articulação e com isso eu pude, finalmente, entender como o movimento deles funciona. O plano era o seguinte: às 2 horas da manhã nós atravessaríamos o milharal que fica em torno da casa onde estavam os pistoleiros. Como estava muito escuro, nós temíamos encontrar um dos pistoleiros. Caso encontrássemos alguém no mato, a nossa senha era ‘um’. Se fosse dos nossos, a pessoa teria que responder ‘dois’. Se a pessoa não respondesse certo, seria alvejada.

Quando eu ouvi isso, eu disse para eles: ‘Gente espera um pouco. Por enquanto, vocês são as vítimas aqui. Se vocês começarem a dar tiros, vão perder a razão’. Então eles responderam que só iam atirar nos cachorros.

Após atravessarmos o milharal e ficarmos bem perto da casa, um maluco da AS-PTA bateu na porta dizendo ser da polícia e deu voz de prisão, mas os pistoleiros, que não eram bobos, sabiam que nós não éramos da polícia, então começaram a meter bala na gente.
Eu deitei atrás de um morrinho e, de repente, um cara começou a atirar do meu lado. E depois parou o tiroteio. Os sem-terra pegaram dois pistoleiros.
Os sem-terra começaram a pegar as armas e nós recolhemos todas elas e colocamos no porta-mala do carro para levar para um advogado amigo nosso. Este advogado entregaria as armas para a polícia como apreensão de armas ilegais. E, obviamente, nós iríamos negar até a morte que estávamos armados, até porque as armas eram todas dos sindicalistas rurais da região. Eu tirei fotos (ao lado) de tudo e tenho todas as fotos guardadas.
O mais impressionante foi como os sem-terra começaram a lidar com aqueles dois pistoleiros. Era tanto ódio que eles tinham e eu lembro que um dos sem-terra estava tremendo de tanta raiva.
Os sem-terra primeiro estavam com muito ódio, um ódio que eu nunca vi na minha vida, mas depois o discurso deles, que era ‘seus bandidos, o que vocês estão fazendo aqui?’, começou a mudar para ‘companheiros, vocês também são explorados, por que vocês estão do lado dos fazendeiros e não do nosso?’. Isto aconteceu por causa do trabalho da AS-PTA.
Eu estava morrendo de medo, mas mesmo assim aproveitei e entrevistei um dos pistoleiros. Perguntei para ele o que eles estavam fazendo lá na casa e ele me respondeu que estava ali a mando dos fazendeiros, que haviam falado que se os sem-terra invadissem era para matar mesmo, que eles estavam fazendo o trabalho deles e não tinham nada a ver com aquilo. Eu, apesar do medo, entendi a raiva dos posseiros. Muitos dali já haviam sido torturados por pistoleiros.

Após toda esta ação, os pistoleiros foram deixados na estrada amarrados, um de costas para o outro e só de cueca. Aí, eles montaram o acampamento em cerca de dez minutos. Depois, fizeram um esquema estratégico de segurança. Os fazendeiros só ficaram sabendo no dia seguinte pelos pistoleiros, que caminharam cerca de um quilômetro até chegar na fazenda. Pronto: o conflito iria começar novamente.

Os fazendeiros resolveram ir até a área onde os sem-terra estavam. Eles foram recebidos a tiros pelos sem-terra e deram meia-volta. Os sem-terra continuam na área, porque eles conseguiram a posse final da terra. A luta não foi organizada pelo MST , mas teve muita solidariedade entre os sem-terra, o que, definitivamente, me marcou muito"
.

7 de abril de 2007

Por um Brasil mais humano


"A primeira vez que vi Rogério foi numa foto de família, com seus sete irmãos. Ele tinha os olhos grandes, braços e canelas fininhas. Era muito miúdo. Tinha 2 anos e 4 meses, mas, por causa da desnutrição, não falava e nem andava".

O menino é um dos personagens que a jornalista e documentarista Neide Duarte encontrou em São José da Tapera, no sertão de Alagoas. Lá, 70% são analfabetos, 92% não têm renda para sobreviver e mais da metade vive sem luz e água. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1997, das mil crianças que nasceram vivas na região, 147 morreram de desnutrição.

Lembrar das andanças pelo sertão nordestino ainda emociona a jornalista. Afinal, o espetáculo que Neide viu não foi o mesmo do cinema, cheio de glamour. Ela ficou frente a frente com a secura da caatinga e sentiu na pele o drama que muitos brasileiros vivem. “Conheci um Brasil que não passa na TV. Um Brasil de pessoas que, embora tenham aprendido a ler, não sabem expressar o que sentem, o que vivem, o que lhes falta. Encontrei um Brasil de gente que antes de pensar em ser cidadã, precisa se sentir humano", relembra a jornalista.

Segundo Neide, as descobertas que fez durante os últimos anos só foram possíveis por causa da criação do programa Caminhos e Parcerias, exibido entre 1999 e 2004 na TV Cultura. “Só percebi que havia um outro jornalismo quando comecei a fazer o Caminhos. A partir daí, o jornalismo social foi acontecendo na minha vida. Foi uma coisa que foi me pegando aos poucos, mas eu senti que nunca mais poderia escapar daquilo. É como se eu tivesse visto uma fresta e, por ter visto, eu não podia nunca mais fingir que não tinha visto. Eu era responsável por aquilo. Tudo foi fazendo sentido, como se várias coisas se encaixassem, como num quebra-cabeças".

Neide mal sabia que, enquanto narrava as tristezas nordestinas, iria moldar a própria história e finalmente encontrar a sua missão. “Para mim, contar as histórias de pessoas fragilizadas e valorizar estas histórias deixou de ser um trabalho e passou a ser a minha vida".

Uma das tristezas da jornalista é o fato de o programa ter chegado ao fim. De acordo com Neide, que agora é repórter especial da Rede Globo, isto aconteceu porque o patrocínio do programa acabou. “Acho incrível uma TV pública deixar o programa de lado. Caminhos e Parcerias era um programa que mostrava o Brasil e fazia com que as pessoas o conhecessem mais, fazendo com que mais gente visse que os problemas estavam longe de serem resolvidos e, conseqüentemente, ficassem mais atentas para cobrar mudanças". Ela explica, ainda, que esperou seis meses para ver se, de repente acontecia algo, sem resultados. “Neste meio tempo a Globo me fez uma proposta e eu fui para lá".

Apesar de o programa ter acabado, Neide Duarte ainda nutre o sonho de criar um programa como o Caminhos e Parcerias. “Ter um programa que mostre lugares esquecidos é fundamental para criar uma discussão na sociedade". A jornalista explica, que embora as pessoas tenham dado mais atenção para temas ligados ao terceiro setor, o que se vê na mídia ainda é pouco. “As empresas e a própria sociedade têm tido mais participação e, por isso, ultimamente, temos visto mais matérias. Mas infelizmente ainda há muito mais marketing do que propriamente ação".

Para a jornalista, o fato de a sociedade ter passado a se interessar mais sobre assuntos sociais nos últimos anos se deve à redemocratização. “No período da ditadura, as pessoas tinham outras preocupações. Como estávamos em guerra, não pensávamos em terceiro setor. Naquela época, ser social era estar politicamente engajado", relembra

Embora, segundo ela, as pessoas estejam mais predispostas ao tema, a maioria dos jornalistas deixa o tema de lado porque desconhece o assunto. “Falta uma visão maior da coisa. Falta instrução, conhecimento da própria história e de outras civilizações, também“. Ela completa dizendo que esta “falta de visão“ atinge, principalmente, os jovens jornalistas. “Os recém-formados estão inseridos no contexto do mundo de hoje, que preza o consumo excessivo. Isto está enraizado de uma forma muito forte e, por isso, não conseguem perceber que os valores mudaram e que tudo está trocado".

Mas não é só o jovem jornalista que está 'perdido'. Para Neide, a velha guarda do jornalismo ainda encontra dificuldades para trabalhar com o terceiro setor, enquanto, tantas mudanças sociais e tecnológicas acontecem. “Para os jornalistas com experiência já está difícil de perceber que tudo muda muito rápido, imagina para o recém-formado", comenta.

Neide Duarte salienta que, por causa deste desconhecimento, o que a sociedade acaba vendo são programas que parecem mais institucionais do que sociais. Ao invés de denunciar o problema pelo qual uma determinada comunidade passa e buscar uma solução junto às autoridades, a empresa (que, geralmente, é a patrocinadora do programa) mostra o problema como resolvido e ponto final. “Eu vejo muitos programas que parecem mais institucionais do que informativos e conscientiza-dores. Eles mostram que por causa de uma ação da 'empresa X' tudo mudou, quando na realidade não funciona bem assim. Um bom exemplo é o caso da falta d’água no Nordeste. Já vi programa que vendeu a idéia de que por causa de um projeto de cisternas da 'empresa X' o problema da falta d’água no Nordeste acabou, quando o problema continua lá. Na realidade, o projeto mudou a vida de uma comunidade específica, e não do povo todo do Nordeste".

jornalista acredita que o modo pelo o qual os programas televisivos vêm sendo desenvolvidos afetam diretamente a sociedade, que ao invés de confiar nos programas, vê um misto de amadorismo, publicidade e marketing empresarial. “Talvez as matérias de terceiro setor não ganhem mais notoriedade porque, na maioria das vezes, os programas parecem mais institucionais do que documentários que têm como objetivo colocar temas de importância nacional para serem discutidos".

Para Neide Duarte, o seu papel como comunicadora é justamente este: conscientizar, mobilizar as pessoas, plantar novos valores e comportamentos. Para ela, não basta retratar as histórias de desigualdade social que estão espalhadas pelo País e não mover uma palha. O jornalista, diz Neide, tem de traçar um caminho que nem sempre é feito em pistas modernas e bem sinalizadas. Ele não pode esquecer que vai traduzir o mundo para milhares de pessoas e contribuir para que mudanças sejam feitas. Talvez o pensamento de Ortega Y Gasset, lembrado pela jornalista, seja a melhor forma de dizer o modo como todos os jornalistas deveriam pensar, ao sentarem-se para escrever: “Eu sou eu e minhas circunstâncias. Eu sou eu e tudo o que vive e cresce em torno mim".

5 de abril de 2007

Responsabilidade em Pauta!

A jornalista Patrícia Saito durante um dos seminários que ministra pelo Brasil.

A jornalista Patrícia Saito, coordenadora da Rede Ethos de Jornalistas, do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, desde a época da universidade se viu envolvida com temas relacionados à área social. “Fui uma das finalistas da Semana Estado de Jornalismo, com matéria sobre a preocupação de uma usina de açúcar em alfabetizar seus funcionários. Depois disso, percebi que poderia ter um papel no jornalismo que fosse além do profissional e que pudesse ajudar as pessoas, a sociedade”.

Patrícia trabalha na capacitação de jornalistas na temática da responsabilidade social. “A Rede Ethos de Jornalistas é um projeto que existe desde 2000 e cujo objetivo é a aproximação do profissional que atua em veículos de comunicação com um conceito ligado à transformação na gestão empresarial”. Além disso, ela destaca a importância da formação do profissional para despertar o interesse por questões sociais. “Acredito que as universidades poderiam ter disciplinas, ou cursos específicos, que tratassem desse tipo de temática e/ou a correlacionassem com o cotidiano dos estudantes. O que acontece é que o jornalista não consegue relacionar uma reclamação sobre o mau atendimento de uma empresa de telefonia, por exemplo, com a responsabilidade social empresarial. E tem tudo a ver. Se prestarmos atenção, este tema pode ser encaixado em qualquer editoria dos jornais, porque tem a ver com o dia-a-dia das pessoas”.

Para a jornalista, a mídia tem dado espaço para o tema. “Hoje em dia, isso é visível. Podemos observar que houve crescimento na cobertura do tema, mas ele ainda carece, em alguns casos, de maior aprofundamento”.

Para quem duvida da relação entre responsabilidade social empresarial e sociedade, Patrícia Saito explica que as reportagens não só servem como fonte de informação para a sociedade, mas também para cobrar e acompanhar o comportamento empresarial. “É importante que a mídia tenha esse papel duplo: questionar as práticas ruins e disseminar as boas”.

Conforme Patrícia, na tentativa de dar um panorama geral de como a mídia trata da Responsabilidade Social Empresarial nas pautas, o Instituto Ethos publicou um livro que analisa o tema. No livro Empresas e Imprensa: Pauta de Responsabilidade o leitor encontra o resultado de uma pesquisa que analisou 54 dos principais jornais do País no período de agosto de 2003 a setembro de 2004. Na entrevista abaixo, você encontra mais detalhes desta pesquisa do Instituto Ethos.

Como a mídia entende e pauta o conceito de Responsabilidade Social Empresarial?

Destaco, especialmente, três delas. Primeiro, a abordagem da Responsabilidade Social Empresarial (RSE) ainda é predominantemente factual, ou seja, 76,6% das matérias apresentam uma contextualização primária do assunto. Segundo, o tratamento editorial está voltado para a repercussão de eventos - 26,3% do material analisado chegaram aos jornais em função da repercussão desses acontecimentos. E em terceiro há ausência de um olhar crítico: 96,3% dos textos não questionaram dificuldades na consecução de práticas de responsabilidade social.

Qual o papel do jornalista ?

O jornalista tem um papel fundamental para fazer avançar a RSE. Criamos a Rede Ethos de Jornalistas para capacitar o jornalista no tema, de modo que ele possa difundir informações sobre RSE; reconhecer as melhores e as piores práticas; estimular a inserção da pauta social; aplicar os critérios de RSE no veículo de comunicação em que atua; e perceber a relevância de seu papel profissional e ético. Acreditamos que, com informação e discussões constantes nas redações, podemos chegar a estes resultados. Temos hoje mais de 740 jornalistas cadastrados.

Como o jornalista pode atuar de forma responsável?

A Responsabilidade Social Empresarial é a forma de gestão que se define pela relação ética, transparente e solidária da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona. Empresas socialmente responsáveis estabelecem compromissos públicos. Uma atuação socialmente responsável pressupõe discussão de dilemas e o estabelecimento de metas de curto e longo prazo voltadas para a transformação social.

Quais são os temas negligenciados pela grande mídia?

A publicação buscou levantar os temas mais e menos abordados de acordo com os Princípios do Pacto Global e os Indicadores Ethos de Responsabilidade Social. No caso do Pacto Global, há pouca cobertura de questões de corrupção, apenas 1,6% das matérias pesquisadas está relacionada a este assunto. A abordagem dos temas dos Indicadores Ethos está concentrada prioritariamente em comunidade (24,3%), em comparação com o último colocado: pouco se trata da responsabilidade social das empresas na cadeia de fornecedores (3,3%).

Os profissionais estão aptos a tratar do tema?

É possível perceber a ocorrência de um fenômeno de mão dupla. Há um número crescente de jornalistas com matérias aprofundadas que já contemplam a visão de Responsabilidade Social Empresarial como modelo de gestão. Por outro lado, em função da rotatividade característica da profissão, sentimos necessidade de investir num processo contínuo de capacitação nas redações, voltado para o aprofundamento da cobertura jornalística. A Rede Ethos de Jornalistas realiza periodicamente seminários de capacitação nos veículos. Nessa hora, a troca e o aprendizado são grandes e trazem para o Instituto Ethos as principais dificuldades do dia-a-dia dos jornalistas.

Quais são os avanços e as dificuldades nessa área?

A cobertura jornalística da RSE é ampla, mas necessita de aprofundamento e críticas. A mídia tem sido uma aliada para fazer evoluir o movimento, por meio de reportagens que disseminam boas práticas empresariais e denúncias responsáveis sobre maus exemplos. O Ethos reconhece a importância da mídia neste processo e não por outra razão decidiu fazer este diagnóstico sobre a cobertura do tema. É necessário esclarecer sempre as diferenças entre filantropia, Investimento Social Privado e responsabilidade social empresarial, e também envolver os veículos de comunicação, enquanto empresas, com o movimento. No caso da cobertura jornalística, os desafios são aprofundamento, diversificação de fontes, críticas, etc.