"Um canavial tem a extensão
ante a qual todo metro é vão...
... Ante um canavial a
medida métrica é de todo
esquecida, porque
embora todo povoado,
povoa-o o pleno anonimato".
Na tentativa de desmistificar esse mundo rural, a jornalista da Carta Maior Verena Glass resolveu se lançar em meio a canaviais, terras improdutivas, fazendeiros, pistoleiros e trabalhadores rurais sem terra para desvendar esta realidade que, infelizmente, ainda é desconhecida por muitos brasileiros.
Seu envolvimento começou logo na adolescência, quando a jornalista ainda cursava o Ensino Médio. "Passei um ano trabalhando com movimentos de favelas, aqui em São Paulo. Nesta época, eu desenvolvia um trabalho na favela Monte Azul, na área de educação infantil".
Nesse meio tempo, Verena mal sabia que estava cada vez mais envolvida com o tema. "Quando saí do colegial eu não sabia o que fazer, mas já tinha uma idéia de que seria algo social. Só não sabia que seria ligado à área rural", relembra a jornalista.
Um dos primeiros trabalhos de Verena Glass, que cursou jornalismo na Unesp de Bauru, foi como assessora de imprensa da AS-PTA, que é uma rede de Ongs e associações que trabalham com agricultura agri-ecológica. "Passei dois anos no Paraná, desenvolvendo um trabalho de cidadania junto aos agricultores".
Para a jornalista, esse foi um dos principais trabalhos que ela desenvolveu na carreira. "Para se ter idéia, nós tínhamos uma escola da própria associação. Foi ótimo dar este curso, porque cheguei a ter alunos que não conseguiam sequer olhar para cima e, depois de um ano e meio, ver esse mesmo aluno fazendo discurso foi fantástico".
De todas estas situações que viu, uma em especial marcou Verena. A história começa em Francisco Beltrão, no Interior do Paraná onde ela presenciou conflitos entre sem-terra e pistoleiros.
Para Verena, esta visão equivocada dos meios de comunicação está relacionada a dois motivos: desconhecimento por parte do jornalista e interesses pessoais do repórter, ou do próprio veículo. "Além de existir uma cadeia ideológica muito forte dos veículos de comunicação, há a questão do desconhecimento. Quando você não conhece de perto uma determinada situação, a tendência é não saber tratar do assunto de uma forma correta. Eu digo isso, porque tenho a consciência de que a visão e o conhecimento que eu adquiri ao longo da minha carreira se deve ao período em que passei trabalhando como assessora em Francisco Beltrão, no Paraná, quando convivia com pessoas de movimentos rurais".
A idéia, segundo a jornalista, seria estimular a participação dos alunos em cursos de extensão que fossem ligados a áreas sociais, Ongs e associações que tivessem como objetivo o bem-estar de uma comunidade de forma prática, e não puramente assistencialista. "Hoje, tudo isto deveria fazer parte da vida do jornalista, mas ainda são poucos os que detêm esta sensibilidade e por isso acredito que as faculdades deveriam estimular um envolvimento direto com alguma ação social. Afinal, é diferente você ler sobre uma realidade e vivê-la por meio dos personagens que você ouviu. Só assim podemos encontrar o verdadeiro sentido da nossa profissão".
Por Verena Glass
"Já passavam das 6 horas e o sol estava brilhando. Enquanto, policiais e pistoleiros começavam a expulsar os posseiros, os fazendeiros da redondeza já sentiam a terra mais próxima de suas mãos. Seis meses depois do ocorrido, os sem-terra mostram para esses fazendeiros que a luta pela terra não estava ganha por causa da contratação de pistoleiros. Para que isso acontecesse, era necessário ter inteligência, rapidez e táticas ousadas.
Seis meses após este despejo, recebi um outro telefonema, no qual a fonte disse que os pistoleiros responsáveis pelo despejo iriam voltar e ocupar de vez a terra. A partir deste recado, começou toda uma articulação e com isso eu pude, finalmente, entender como o movimento deles funciona. O plano era o seguinte: às 2 horas da manhã nós atravessaríamos o milharal que fica em torno da casa onde estavam os pistoleiros. Como estava muito escuro, nós temíamos encontrar um dos pistoleiros. Caso encontrássemos alguém no mato, a nossa senha era ‘um’. Se fosse dos nossos, a pessoa teria que responder ‘dois’. Se a pessoa não respondesse certo, seria alvejada.
Quando eu ouvi isso, eu disse para eles: ‘Gente espera um pouco. Por enquanto, vocês são as vítimas aqui. Se vocês começarem a dar tiros, vão perder a razão’. Então eles responderam que só iam atirar nos cachorros.
Após atravessarmos o milharal e ficarmos bem perto da casa, um maluco da AS-PTA bateu na porta dizendo ser da polícia e deu voz de prisão, mas os pistoleiros, que não eram bobos, sabiam que nós não éramos da polícia, então começaram a meter bala na gente.
Eu deitei atrás de um morrinho e, de repente, um cara começou a atirar do meu lado. E depois parou o tiroteio. Os sem-terra pegaram dois pistoleiros.
Após toda esta ação, os pistoleiros foram deixados na estrada amarrados, um de costas para o outro e só de cueca. Aí, eles montaram o acampamento em cerca de dez minutos. Depois, fizeram um esquema estratégico de segurança. Os fazendeiros só ficaram sabendo no dia seguinte pelos pistoleiros, que caminharam cerca de um quilômetro até chegar na fazenda. Pronto: o conflito iria começar novamente.
Os fazendeiros resolveram ir até a área onde os sem-terra estavam. Eles foram recebidos a tiros pelos sem-terra e deram meia-volta. Os sem-terra continuam na área, porque eles conseguiram a posse final da terra. A luta não foi organizada pelo MST , mas teve muita solidariedade entre os sem-terra, o que, definitivamente, me marcou muito".