6 de setembro de 2007
Mídia Social fica em primeiro lugar no Intercom
O jornalismo social foi o foco do trabalho premiado durante a 30ª edição da Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação), na modalidade Revista Impressa da Exposição da Pesquisa Experimental de Comunicação (Expocom). As jornalistas Michelle Barreto e Bianca Pyl ganharam o prêmio com a criação da revista Mídia Social, um trabalho de conclusão de curso apresentado em 2006 na Universidade Santa Cecília, em Santos. A revista, depois transformada no blog Revista Mídia Social , reúne entrevistas com 15 jornalistas cuja trajetória é marcada pelos temas sociais.
A lista de entrevistados inclui dois editores da Agência Repórter Social – Alceu Castilho e Fábio de Castro – e nomes como Neide Duarte, Zuenir Ventura (Rio de Janeiro), Mauri König (Curitiba), Cristiano Navarro (Campo Grande), entre outros. De acordo com as jornalistas, a revista Mídia Social procura mostrar o engajamento social de jornalistas “que se envolvem com temas do terceiro setor e direitos humanos, procurando retratar os fatos sob a ótica do cidadão”.
Segundo Bianca, a dupla não teve apoio da faculdade para realizar o trabalho premiado. “Foi difícil, porque o projeto foi reprovado, numa avaliação preliminar, pelo diretor da faculdade. Mas nosso orientador, o professor Eduardo Rubi Cavalcanti, assumiu os riscos e mantivemos o projeto”, disse.
O objetivo da grande reportagem sobre jornalismo social constituída pelos perfis de diversos jornalistas, segundo Bianca, era incentivar a prática entre estudantes, ao mostrar as motivações e desafios dos profissionais. “Já gostávamos da área e queríamos colocar em prática, no trabalho, algo de "sociamente responsável", voltado para o cidadão. As histórias que ouvimos foram importantes para nossa formação humana e profissional. Tivemos certeza de que nosso trabalho pode fazer a diferença na sociedade”, afirmou.
Michelle Barreto conta que a dupla precisou superar dificuldades financeiras. As duas moravam em Santos e não tinham recursos para as viagens, além da impressão da revista. “Além disso, a faculdade desacreditou nosso trabalho e tínhamos problemas para conciliar o serviço com a agenda dos profissionais. Ganhar o Intercom foi a certeza de que estávamos no caminho certo”, declarou Michelle.
17 de abril de 2007
Movimentos socias sem preconceitos
"Um canavial tem a extensão
ante a qual todo metro é vão...
... Ante um canavial a
medida métrica é de todo
esquecida, porque
embora todo povoado,
povoa-o o pleno anonimato".
Na tentativa de desmistificar esse mundo rural, a jornalista da Carta Maior Verena Glass resolveu se lançar em meio a canaviais, terras improdutivas, fazendeiros, pistoleiros e trabalhadores rurais sem terra para desvendar esta realidade que, infelizmente, ainda é desconhecida por muitos brasileiros.
Seu envolvimento começou logo na adolescência, quando a jornalista ainda cursava o Ensino Médio. "Passei um ano trabalhando com movimentos de favelas, aqui em São Paulo. Nesta época, eu desenvolvia um trabalho na favela Monte Azul, na área de educação infantil".
Nesse meio tempo, Verena mal sabia que estava cada vez mais envolvida com o tema. "Quando saí do colegial eu não sabia o que fazer, mas já tinha uma idéia de que seria algo social. Só não sabia que seria ligado à área rural", relembra a jornalista.
Um dos primeiros trabalhos de Verena Glass, que cursou jornalismo na Unesp de Bauru, foi como assessora de imprensa da AS-PTA, que é uma rede de Ongs e associações que trabalham com agricultura agri-ecológica. "Passei dois anos no Paraná, desenvolvendo um trabalho de cidadania junto aos agricultores".
Para a jornalista, esse foi um dos principais trabalhos que ela desenvolveu na carreira. "Para se ter idéia, nós tínhamos uma escola da própria associação. Foi ótimo dar este curso, porque cheguei a ter alunos que não conseguiam sequer olhar para cima e, depois de um ano e meio, ver esse mesmo aluno fazendo discurso foi fantástico".
De todas estas situações que viu, uma em especial marcou Verena. A história começa em Francisco Beltrão, no Interior do Paraná onde ela presenciou conflitos entre sem-terra e pistoleiros.
Para Verena, esta visão equivocada dos meios de comunicação está relacionada a dois motivos: desconhecimento por parte do jornalista e interesses pessoais do repórter, ou do próprio veículo. "Além de existir uma cadeia ideológica muito forte dos veículos de comunicação, há a questão do desconhecimento. Quando você não conhece de perto uma determinada situação, a tendência é não saber tratar do assunto de uma forma correta. Eu digo isso, porque tenho a consciência de que a visão e o conhecimento que eu adquiri ao longo da minha carreira se deve ao período em que passei trabalhando como assessora em Francisco Beltrão, no Paraná, quando convivia com pessoas de movimentos rurais".
A idéia, segundo a jornalista, seria estimular a participação dos alunos em cursos de extensão que fossem ligados a áreas sociais, Ongs e associações que tivessem como objetivo o bem-estar de uma comunidade de forma prática, e não puramente assistencialista. "Hoje, tudo isto deveria fazer parte da vida do jornalista, mas ainda são poucos os que detêm esta sensibilidade e por isso acredito que as faculdades deveriam estimular um envolvimento direto com alguma ação social. Afinal, é diferente você ler sobre uma realidade e vivê-la por meio dos personagens que você ouviu. Só assim podemos encontrar o verdadeiro sentido da nossa profissão".
Por Verena Glass
"Já passavam das 6 horas e o sol estava brilhando. Enquanto, policiais e pistoleiros começavam a expulsar os posseiros, os fazendeiros da redondeza já sentiam a terra mais próxima de suas mãos. Seis meses depois do ocorrido, os sem-terra mostram para esses fazendeiros que a luta pela terra não estava ganha por causa da contratação de pistoleiros. Para que isso acontecesse, era necessário ter inteligência, rapidez e táticas ousadas.
Seis meses após este despejo, recebi um outro telefonema, no qual a fonte disse que os pistoleiros responsáveis pelo despejo iriam voltar e ocupar de vez a terra. A partir deste recado, começou toda uma articulação e com isso eu pude, finalmente, entender como o movimento deles funciona. O plano era o seguinte: às 2 horas da manhã nós atravessaríamos o milharal que fica em torno da casa onde estavam os pistoleiros. Como estava muito escuro, nós temíamos encontrar um dos pistoleiros. Caso encontrássemos alguém no mato, a nossa senha era ‘um’. Se fosse dos nossos, a pessoa teria que responder ‘dois’. Se a pessoa não respondesse certo, seria alvejada.
Quando eu ouvi isso, eu disse para eles: ‘Gente espera um pouco. Por enquanto, vocês são as vítimas aqui. Se vocês começarem a dar tiros, vão perder a razão’. Então eles responderam que só iam atirar nos cachorros.
Após atravessarmos o milharal e ficarmos bem perto da casa, um maluco da AS-PTA bateu na porta dizendo ser da polícia e deu voz de prisão, mas os pistoleiros, que não eram bobos, sabiam que nós não éramos da polícia, então começaram a meter bala na gente.
Eu deitei atrás de um morrinho e, de repente, um cara começou a atirar do meu lado. E depois parou o tiroteio. Os sem-terra pegaram dois pistoleiros.
Após toda esta ação, os pistoleiros foram deixados na estrada amarrados, um de costas para o outro e só de cueca. Aí, eles montaram o acampamento em cerca de dez minutos. Depois, fizeram um esquema estratégico de segurança. Os fazendeiros só ficaram sabendo no dia seguinte pelos pistoleiros, que caminharam cerca de um quilômetro até chegar na fazenda. Pronto: o conflito iria começar novamente.
Os fazendeiros resolveram ir até a área onde os sem-terra estavam. Eles foram recebidos a tiros pelos sem-terra e deram meia-volta. Os sem-terra continuam na área, porque eles conseguiram a posse final da terra. A luta não foi organizada pelo MST , mas teve muita solidariedade entre os sem-terra, o que, definitivamente, me marcou muito".
7 de abril de 2007
Por um Brasil mais humano
O menino é um dos personagens que a jornalista e documentarista Neide Duarte encontrou em São José da Tapera, no sertão de Alagoas. Lá, 70% são analfabetos, 92% não têm renda para sobreviver e mais da metade vive sem luz e água. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1997, das mil crianças que nasceram vivas na região, 147 morreram de desnutrição.
Lembrar das andanças pelo sertão nordestino ainda emociona a jornalista. Afinal, o espetáculo que Neide viu não foi o mesmo do cinema, cheio de glamour. Ela ficou frente a frente com a secura da caatinga e sentiu na pele o drama que muitos brasileiros vivem. “Conheci um Brasil que não passa na TV. Um Brasil de pessoas que, embora tenham aprendido a ler, não sabem expressar o que sentem, o que vivem, o que lhes falta. Encontrei um Brasil de gente que antes de pensar em ser cidadã, precisa se sentir humano", relembra a jornalista.
Segundo Neide, as descobertas que fez durante os últimos anos só foram possíveis por causa da criação do programa Caminhos e Parcerias, exibido entre 1999 e 2004 na TV Cultura. “Só percebi que havia um outro jornalismo quando comecei a fazer o Caminhos. A partir daí, o jornalismo social foi acontecendo na minha vida. Foi uma coisa que foi me pegando aos poucos, mas eu senti que nunca mais poderia escapar daquilo. É como se eu tivesse visto uma fresta e, por ter visto, eu não podia nunca mais fingir que não tinha visto. Eu era responsável por aquilo. Tudo foi fazendo sentido, como se várias coisas se encaixassem, como num quebra-cabeças".
Neide mal sabia que, enquanto narrava as tristezas nordestinas, iria moldar a própria história e finalmente encontrar a sua missão. “Para mim, contar as histórias de pessoas fragilizadas e valorizar estas histórias deixou de ser um trabalho e passou a ser a minha vida".
Uma das tristezas da jornalista é o fato de o programa ter chegado ao fim. De acordo com Neide, que agora é repórter especial da Rede Globo, isto aconteceu porque o patrocínio do programa acabou. “Acho incrível uma TV pública deixar o programa de lado. Caminhos e Parcerias era um programa que mostrava o Brasil e fazia com que as pessoas o conhecessem mais, fazendo com que mais gente visse que os problemas estavam longe de serem resolvidos e, conseqüentemente, ficassem mais atentas para cobrar mudanças". Ela explica, ainda, que esperou seis meses para ver se, de repente acontecia algo, sem resultados. “Neste meio tempo a Globo me fez uma proposta e eu fui para lá".
Apesar de o programa ter acabado, Neide Duarte ainda nutre o sonho de criar um programa como o Caminhos e Parcerias. “Ter um programa que mostre lugares esquecidos é fundamental para criar uma discussão na sociedade". A jornalista explica, que embora as pessoas tenham dado mais atenção para temas ligados ao terceiro setor, o que se vê na mídia ainda é pouco. “As empresas e a própria sociedade têm tido mais participação e, por isso, ultimamente, temos visto mais matérias. Mas infelizmente ainda há muito mais marketing do que propriamente ação".
Para a jornalista, o fato de a sociedade ter passado a se interessar mais sobre assuntos sociais nos últimos anos se deve à redemocratização. “No período da ditadura, as pessoas tinham outras preocupações. Como estávamos em guerra, não pensávamos em terceiro setor. Naquela época, ser social era estar politicamente engajado", relembra
Embora, segundo ela, as pessoas estejam mais predispostas ao tema, a maioria dos jornalistas deixa o tema de lado porque desconhece o assunto. “Falta uma visão maior da coisa. Falta instrução, conhecimento da própria história e de outras civilizações, também“. Ela completa dizendo que esta “falta de visão“ atinge, principalmente, os jovens jornalistas. “Os recém-formados estão inseridos no contexto do mundo de hoje, que preza o consumo excessivo. Isto está enraizado de uma forma muito forte e, por isso, não conseguem perceber que os valores mudaram e que tudo está trocado".
Mas não é só o jovem jornalista que está 'perdido'. Para Neide, a velha guarda do jornalismo ainda encontra dificuldades para trabalhar com o terceiro setor, enquanto, tantas mudanças sociais e tecnológicas acontecem. “Para os jornalistas com experiência já está difícil de perceber que tudo muda muito rápido, imagina para o recém-formado", comenta.
Neide Duarte salienta que, por causa deste desconhecimento, o que a sociedade acaba vendo são programas que parecem mais institucionais do que sociais. Ao invés de denunciar o problema pelo qual uma determinada comunidade passa e buscar uma solução junto às autoridades, a empresa (que, geralmente, é a patrocinadora do programa) mostra o problema como resolvido e ponto final. “Eu vejo muitos programas que parecem mais institucionais do que informativos e conscientiza-dores. Eles mostram que por causa de uma ação da 'empresa X' tudo mudou, quando na realidade não funciona bem assim. Um bom exemplo é o caso da falta d’água no Nordeste. Já vi programa que vendeu a idéia de que por causa de um projeto de cisternas da 'empresa X' o problema da falta d’água no Nordeste acabou, quando o problema continua lá. Na realidade, o projeto mudou a vida de uma comunidade específica, e não do povo todo do Nordeste".
jornalista acredita que o modo pelo o qual os programas televisivos vêm sendo desenvolvidos afetam diretamente a sociedade, que ao invés de confiar nos programas, vê um misto de amadorismo, publicidade e marketing empresarial. “Talvez as matérias de terceiro setor não ganhem mais notoriedade porque, na maioria das vezes, os programas parecem mais institucionais do que documentários que têm como objetivo colocar temas de importância nacional para serem discutidos".
Para Neide Duarte, o seu papel como comunicadora é justamente este: conscientizar, mobilizar as pessoas, plantar novos valores e comportamentos. Para ela, não basta retratar as histórias de desigualdade social que estão espalhadas pelo País e não mover uma palha. O jornalista, diz Neide, tem de traçar um caminho que nem sempre é feito em pistas modernas e bem sinalizadas. Ele não pode esquecer que vai traduzir o mundo para milhares de pessoas e contribuir para que mudanças sejam feitas. Talvez o pensamento de Ortega Y Gasset, lembrado pela jornalista, seja a melhor forma de dizer o modo como todos os jornalistas deveriam pensar, ao sentarem-se para escrever: “Eu sou eu e minhas circunstâncias. Eu sou eu e tudo o que vive e cresce em torno mim".
5 de abril de 2007
Responsabilidade em Pauta!
Patrícia trabalha na capacitação de jornalistas na temática da responsabilidade social. “A Rede Ethos de Jornalistas é um projeto que existe desde 2000 e cujo objetivo é a aproximação do profissional que atua em veículos de comunicação com um conceito ligado à transformação na gestão empresarial”. Além disso, ela destaca a importância da formação do profissional para despertar o interesse por questões sociais. “Acredito que as universidades poderiam ter disciplinas, ou cursos específicos, que tratassem desse tipo de temática e/ou a correlacionassem com o cotidiano dos estudantes. O que acontece é que o jornalista não consegue relacionar uma reclamação sobre o mau atendimento de uma empresa de telefonia, por exemplo, com a responsabilidade social empresarial. E tem tudo a ver. Se prestarmos atenção, este tema pode ser encaixado em qualquer editoria dos jornais, porque tem a ver com o dia-a-dia das pessoas”.
Para a jornalista, a mídia tem dado espaço para o tema. “Hoje em dia, isso é visível. Podemos observar que houve crescimento na cobertura do tema, mas ele ainda carece, em alguns casos, de maior aprofundamento”.
Para quem duvida da relação entre responsabilidade social empresarial e sociedade, Patrícia Saito explica que as reportagens não só servem como fonte de informação para a sociedade, mas também para cobrar e acompanhar o comportamento empresarial. “É importante que a mídia tenha esse papel duplo: questionar as práticas ruins e disseminar as boas”.
Conforme Patrícia, na tentativa de dar um panorama geral de como a mídia trata da Responsabilidade Social Empresarial nas pautas, o Instituto Ethos publicou um livro que analisa o tema. No livro Empresas e Imprensa: Pauta de Responsabilidade o leitor encontra o resultado de uma pesquisa que analisou 54 dos principais jornais do País no período de agosto de 2003 a setembro de 2004. Na entrevista abaixo, você encontra mais detalhes desta pesquisa do Instituto Ethos.
Como a mídia entende e pauta o conceito de Responsabilidade Social Empresarial?
Destaco, especialmente, três delas. Primeiro, a abordagem da Responsabilidade Social Empresarial (RSE) ainda é predominantemente factual, ou seja, 76,6% das matérias apresentam uma contextualização primária do assunto. Segundo, o tratamento editorial está voltado para a repercussão de eventos - 26,3% do material analisado chegaram aos jornais em função da repercussão desses acontecimentos. E em terceiro há ausência de um olhar crítico: 96,3% dos textos não questionaram dificuldades na consecução de práticas de responsabilidade social.
Qual o papel do jornalista ?
O jornalista tem um papel fundamental para fazer avançar a RSE. Criamos a Rede Ethos de Jornalistas para capacitar o jornalista no tema, de modo que ele possa difundir informações sobre RSE; reconhecer as melhores e as piores práticas; estimular a inserção da pauta social; aplicar os critérios de RSE no veículo de comunicação em que atua; e perceber a relevância de seu papel profissional e ético. Acreditamos que, com informação e discussões constantes nas redações, podemos chegar a estes resultados. Temos hoje mais de 740 jornalistas cadastrados.
Como o jornalista pode atuar de forma responsável?
A Responsabilidade Social Empresarial é a forma de gestão que se define pela relação ética, transparente e solidária da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona. Empresas socialmente responsáveis estabelecem compromissos públicos. Uma atuação socialmente responsável pressupõe discussão de dilemas e o estabelecimento de metas de curto e longo prazo voltadas para a transformação social.
Quais são os temas negligenciados pela grande mídia?
A publicação buscou levantar os temas mais e menos abordados de acordo com os Princípios do Pacto Global e os Indicadores Ethos de Responsabilidade Social. No caso do Pacto Global, há pouca cobertura de questões de corrupção, apenas 1,6% das matérias pesquisadas está relacionada a este assunto. A abordagem dos temas dos Indicadores Ethos está concentrada prioritariamente em comunidade (24,3%), em comparação com o último colocado: pouco se trata da responsabilidade social das empresas na cadeia de fornecedores (3,3%).
Os profissionais estão aptos a tratar do tema?É possível perceber a ocorrência de um fenômeno de mão dupla. Há um número crescente de jornalistas com matérias aprofundadas que já contemplam a visão de Responsabilidade Social Empresarial como modelo de gestão. Por outro lado, em função da rotatividade característica da profissão, sentimos necessidade de investir num processo contínuo de capacitação nas redações, voltado para o aprofundamento da cobertura jornalística. A Rede Ethos de Jornalistas realiza periodicamente seminários de capacitação nos veículos. Nessa hora, a troca e o aprendizado são grandes e trazem para o Instituto Ethos as principais dificuldades do dia-a-dia dos jornalistas.
Quais são os avanços e as dificuldades nessa área?A cobertura jornalística da RSE é ampla, mas necessita de aprofundamento e críticas. A mídia tem sido uma aliada para fazer evoluir o movimento, por meio de reportagens que disseminam boas práticas empresariais e denúncias responsáveis sobre maus exemplos. O Ethos reconhece a importância da mídia neste processo e não por outra razão decidiu fazer este diagnóstico sobre a cobertura do tema. É necessário esclarecer sempre as diferenças entre filantropia, Investimento Social Privado e responsabilidade social empresarial, e também envolver os veículos de comunicação, enquanto empresas, com o movimento. No caso da cobertura jornalística, os desafios são aprofundamento, diversificação de fontes, críticas, etc.
1 de março de 2007
Social na teoria e na prática
A precariedade com que o assunto é tratado se justifica de diversas formas, pela mídia. As mais recorrentes são a falta de tempo do profissional, que muitas vezes tem de realizar mais de cinco matérias em um dia, o pouco incentivo dos editores, a falta de interesse dos leitores e a própria ausência de percepção e sensibilidade do repórter.
Para o italiano Umberto Eco, esse comodismo da imprensa não se justifica. “O silêncio não é protesto, é cumplicidade“, diz ele. O jornalista Alceu Luís Castilho, um dos fundadores da Agência Repórter Social, concorda. “A iniciativa cabe ao repórter. Não adianta reclamar que as pautas não entraram, se não foi feita uma tentativa. O espaço existe, porque o leitor demanda esse tipo de pauta, desde que a edição consiga perceber a conexão imediata com seu universo".
Da mesma forma que no passado dependia da iniciativa dos jornalistas a publicação de matérias criticando o governo militar, hoje para o social entrar na pauta das grandes redações também depende do repórter.
Na ditadura, havia um jornalismo politicamente engajado. Com a redemocratização, a luta principal da sociedade brasileira passou a ser contra as desigualdades sociais e, conseqüentemente, isso deveria se refletir no jornalismo. Mas o que vemos é o inverso, as matérias de cunho social ainda não encontram espaço e estão dispersas nas páginas dos jornais e no noticiário dos meios eletrônicos.
“Os anos 70 (que do ponto de vista da política começam em 1968) foram os chamados Anos de Chumbo. Foi quando a ditadura chegou ao auge, sofisticando seus mecanismos de repressão e aprimorando seus sistemas de censura e tortura. A questão política se sobrepunha à questão social - e o jornalismo acompanhava, tendo, evidentemente, muito mais preocupações políticas do que sociais. Com a democratização, isso mudou, sim, mas o jornalismo não acompanhou“, conta o jornalista Zuenir Ventura, autor do livro '1968: O Ano que Não Terminou'.
Ele continua: “Nos anos 90, quando escrevi Cidade Partida (escrevi em 93 e publiquei em 94), já era clara para mim e muitos outros a consciência da tragédia social que vivíamos. Sem ter a intenção, acabei retratando, em 1968, uma geração excluída politicamente e, em Cidade Partida, uma geração excluída socialmente“.
O pensamento de Zuenir é corroborado por Eugênio Bucci no livro Sobre Ética e Imprensa. "A notícia não é apenas uma novidade, é uma novidade que altera o arranjo dos fatos, poderes ou idéias em algum nível. Ela incide, portanto, sobre as relações humanas: ela é socialmente notícia". Por causa da dimensão da notícia, o social deve ser priorizado.
Para o jornalista Fábio de Castro, que defendeu dissertação sobre o tema na Sorbonne (Paris III), muitos profissionais argumentam que o conceito de jornalismo social se enquadraria em todo jornalismo, tendo em vista que todo tema tem implicações sociais. “Todo jornalismo também está ligado a questões econômicas e políticas, porém isso não impede que existam editorias de jornalismo econômico e político“.
Muitos acreditam que o social é maniqueísta, ou seja, torna os jornalistas da área 'heróis' e desvaloriza o trabalho de repórteres que não dão enfoque ao tema. Os críticos, contudo, não percebem que a discussão vai além, já que não importa quem está certo ou errado.
A própria universidade não incentiva o engajamento social dos futuros repórteres. A professora Cremilda Medina de Araújo, da Escola de Comunicação e Artes da USP, afirma em seu livro Profissão Jornalista: Responsabilidade Social que em muitas universidades predomina a crítica de origem sociológica, reafirmando-se como incontestável a luta entre o bem e o mal. Para a autora, um fato é indiscutível: o papel de interação social da comunicação.
Para Carlos Alberto Vicchiatti, doutor em Comunicação pela PUC, o papel social do jornalista é fazer o cidadão refletir e almejar uma mudança real e definitiva, evitando a superficialidade e a omissão, que só fazem aumentar as diferenças sociais. "O texto deve contextualizar o leitor, se preocupar com a sociedade na qual ele está inserido. Não se deve esquecer do ser humano". Para o professor, é necessário dar uma notícia calamitosa sem sensacionalismo. "A notícia é tratada como mercadoria, e como mercadoria adapta-se às leis do mercado". Vicchiatti afirma que o engajamento do jornalista é importante no aperfeiçoamento da sociedade.
A promoção e proteção dos direitos humanos no cotidiano dependem da atuação da imprensa. Historicamente, em diversos países, os avanços em relação à agenda dos Direitos Humanos estão diretamente associados à prática do jornalismo investigativo, responsável não apenas por denunciar violações desses direitos, como também por fortalecer o debate público em torno de formas de se garantir os mesmos.
13 de janeiro de 2007
O jornalismo que transforma
A história que envolve agressão começou em novembro de 2000, quando König iniciava sua carreira jornalística como repórter do jornal O Estado do Paraná, em Foz do Iguaçu. “Tinha muito contato com jornalistas do Paraguai e da Argentina, por causa da proximidade da fronteira. Naquele novembro, meu colega César Palácios, que então trabalhava no jornal ABC Color, me disse que adolescentes brasileiros estavam sendo recrutados para o serviço militar obrigatório no Paraguai“, conta.
Logo, o jornalista percebeu que ali havia uma grande reportagem. Após ir cinco vezes ao Paraguai para percorrer as cidades próximas da fronteira, o jornalista encontrou vários casos. “Numa cidade chamada Santa Rosa Del Monday, a uns 80 km da fronteira, entrevistamos dois brasileiros de 17 anos que estavam prestando serviço na delegacia local (no Paraguai o serviço militar também pode ter relação com a Polícia Nacional, ligada ao Exército)“.
Em outra cidade, San Alberto, König também encontrou brasileiros em uma delegacia, só que desta vez se deparou também com agressores, que queriam impedir a publicação da matéria. Ele foi parado em uma suposta blitz policial quando voltava por uma estrada de terra batida, cortando plantações de soja. “O homem que me fez sinal para parar vestia farda da Polícia Nacional. Pensando se tratar mesmo de uma blitz, parei e no momento em que ia apresentar meus documentos, recebi um soco no nariz ainda dentro do carro. Meus óculos caíram e aí comecei a ver tudo meio borrado. Só pude observar que outros dois homens, em trajes civis, saíram detrás da caminhonete, me agarraram pelo colarinho e me jogaram ao chão. Os três começaram a me chutar e a me bater com uma corrente e pedaços de pau. Não tive como reagir. Eram três sobre mim. O jeito foi virar de bruços para proteger meu rosto“.
A certa altura, conta Mauri, um dos homens forçou o joelho em suas costas e enlaçou a corrente no seu pescoço. “Quando eu estava praticamente perdendo os sentidos, ele puxou a corrente, levantou e deu mais alguns golpes com a corrente nas minhas costas. Eles riam muito e falavam em guarani (a língua nativa do Paraguai) enquanto batiam. A única coisa que disseram, numa mistura de espanhol e português, foi que eu nunca mais ia voltar ao Paraguai. De repente, pararam de bater e foram embora“.
König teve a máquina fotográfica destruída, o filme arrancado e velado, o carro danificado com chutes e pauladas. Com uma faca ou pedra escreveram no capô: ‘Abajo prensa de Brasil’. Mesmo dolorido, o repórter dirigiu por uns 80 km até chegar à sucursal do Diário Notícias em Ciudad del Este, em busca do socorro de amigos. Ali, o jornalista Juan Carlos Salinas avisou toda a imprensa paraguaia, que cobriu a agressão, e depois o levou ao consulado brasileiro.
No Instituto Médico Legal de Ciudad del Este encontraram mais de 100 hematomas no corpo do jornalista. O mesmo exame foi feito por um juiz forense da cidade vizinha de Hernandárias. O Ministério Público desta última cidade abriu um inquérito, que exatamente um ano depois foi arquivado por falta de provas. “O comando da Polícia Nacional em Ciudad Del Este me levou para reconhecer os agressores, mas não pude fazê-lo porque no momento do atentado eles estavam com bonés e óculos escuros que cobriam praticamente todo o rosto. O caso teve grande repercussão na imprensa paraguaia, mas ficou na impunidade“.
A reportagem foi publicada no dia 24 de dezembro de 2000. Depois disso, König não pensava mais em voltar ao assunto. Mas surgiram várias informações que a situação era ainda mais grave do que ele havia noticiado. “Uma das minhas fontes foi um coronel que me ajudou, com a condição de que ficaria no anonimato. Prometi preservá-lo e ele começou a revelar coisas absurdas que aconteciam. Jovens eram recrutados para o tráfico de drogas dentro dos quartéis, onde também eram abusados sexualmente e mortos por mera diversão de oficiais“.
Com estas novas informações o jornalista decidiu dar continuidade à reportagem, mas estava com medo de retornar ao Paraguai. “A então senadora Elba Recalde montou um esquema de segurança para que eu pudesse ir a Assunção sem maiores problemas. Fui então com o fotógrafo Silvio Vera. Ficamos três dias na capital paraguaia e fizemos uma série de entrevistas. De fato, fomos e voltamos sem problemas. A segunda parte da reportagem foi publicada em abril de 2001, também em O Estado do Paraná. O título desta vez era: ‘Mentiras encobrem crimes nos quartéis’”. Ao todo, foram quase cinco meses de investigação e no final o jornalista pôde mostrar que 109 jovens, de 12 a 18 anos, haviam sido mortos de forma misteriosa nos quartéis do Paraguai entre 1989 e o início de 2001. Foram mortos com tiro na cabeça e no peito, espancados ou induzidos a tentar fuga dos quartéis para serem abatidos a tiros.
Depois do atentado, a imprensa paraguaia passou a dar mais visibilidade à questão do recrutamento de menores de 18 anos para o serviço militar. Na ocasião, agências internacionais de notícias também noticiaram a agressão. Um ano depois, por pressões da ONU, o Congresso paraguaio desengavetou uma antiga lei e tornou facultativo o serviço militar no país.
Infância no limite
Mauri König se dedica a questões ligadas à infância há vários anos. Essa preocupação garantiu a ele, em 2003, o título de Jornalista Amigo da Criança, concedido pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi). “Isso me levou a concorrer no 2º Concurso Tim Lopes para Projetos de Investigação Jornalística, promovido pela Andi, no qual ganhei uma bolsa para realizar uma reportagem que incluía uma viagem pelas fronteiras do Sul e parte da fronteira Centro-Oeste do Brasil, para tratar da exploração sexual de crianças e adolescentes. Junto com o fotógrafo Albari Rosa, percorri 9.200 quilômetros de carro durante um mês, entre setembro e outubro de 2004“.
A reportagem retrata casos de exploração das mais variadas formas e, ainda, faz um mapa das rotas de atuação das redes locais e internacionais que exploram crianças e adolescentes. “Em Ciudad Del Este, cidade paraguaia na fronteira com Foz do Iguaçu, eu e Albari ajudamos no resgate de uma menina de 12 anos que estava sendo explorada sexualmente por outra de 14. A situação nos sensibilizou de tal forma que não podíamos ficar indiferentes, ao encontrá-la em condição deplorável durante a madrugada, nos arredores da cidade. Passamos todo o dia seguinte empenhados em mobilizar as autoridades e a polícia para resgatá-la, o que acabou acontecendo à noite“.
A repercussão foi tão boa que König fez outro projeto, em 2005, para percorrer as fronteiras do Norte do Brasil. “Detalhei o tempo necessário, o roteiro da viagem e os custos. A direção da Gazeta do Povo acreditou no projeto e, novamente, eu e Albari saímos a campo”. Desta vez eles percorreram 13 mil quilômetros de carro, 4 mil quilômetros de barco pelos rios da Amazônia e 2 mil quilômetros de avião. Foram, portanto, 19 mil quilômetros em dois meses de viagem. Ao final dos dois projetos os profissionais percorreram 28 mil quilômetros por toda a fronteira habitada do Brasil, literalmente do Oiapoque ao Chuí.
O jornalista vai transformar esta viagem em um livro, em fase de finalização. “Pretendo publicar no primeiro bimestre de 2007. Nele, farei uma narrativa parcialmente em primeira pessoa, mostrando as diferentes situações que encontramos“.
Família Melo
Em junho de 2004, Mauri König saiu da redação do jornal Gazeta do Povo para fazer duas matérias, mas voltou com 15. Entre elas, a história da família Melo, que vivia em condições subumanas na zona rural de Mangueirinha, região sul do Paraná. “Eu e o fotógrafo Albari Rosa saímos para fazer uma avaliação das estradas não-pedagiadas do Paraná e o que resta do espólio do extinto Instituto Brasileiro do Café (IBC) no norte do Estado. Quando viajamos juntos, eu e o Albari costumamos revezar no volante. Naquele momento, Albari dirigia e eu seguia apreciando a paisagem bucólica quando, de repente, vi três crianças correndo num barranco à beira de uma rodovia estadual. Pedi para Albari dar meia-volta. Ali tinha algo não muito certo“.
O faro de König estava correto: as crianças moravam ali. Mas não só isso. No decorrer da entrevista com pai, mãe e quatro filhos (um a mais do que vimos correndo no barranco), eles observaram a dualidade daquela gente: pais desesperançados e filhos esperançosos por um futuro melhor. “O que nos chamou a atenção foi que eles estavam sendo devorados pela miséria, literalmente. Todos, sem exceção, estavam com os dedos tomados por bichos-de-pé. O caso mais grave era do menino Luís Gabriel, de 5 anos, que já estava com os movimentos comprometidos. Alguns meses mais e ele começaria a ter problemas de locomoção“.
O jornalista relacionou a história desta família ao problema da pobreza no Paraná, no Brasil e no mundo. “Busquei explicar o problema com números e entrevistas com especialistas. A reportagem comoveu os paranaenses, que, liderados pela Pastoral da Família, conseguiram ajuda para a Família Melo. Além de brinquedos, roupas e comida, os Melo ainda foram incluídos no programa habitacional do município, uma vez que viviam numa tapera que sempre inundava nos dias de chuva. Hoje, a família mora numa casa nova, num conjunto habitacional“.
Prêmios
Foram quatro, com a reportagem do exército do Paraguai. O mais importante foi o Prêmio Lorenzo Natali, concedido pela Federação Internacional dos Jornalistas e pela Comunidade Européia em 2002, além do Prêmio de Direitos Humanos da Sociedade Interamericana de Imprensa. Um ano antes, em 2001, a reportagem já havia ganhado o Prêmio Esso de Jornalismo, na categoria Regional Sul, e o Prêmio Imprensa Embratel, também na categoria Regional Sul. “Com a matéria sobre a família Melo recebi em 2004 meu segundo Esso (Regional Sul)“, conta Mauri König.