4 de novembro de 2006

Caráter do repórter

As escolhas do jornalista dizem muito sobre seu caráter, as decisões desde qual fonte ouvir até qual enfoque da matéria. Com base nisso o repórter Cristiano Navarro fez sua escolha: defender os direitos dos índios e reportar suas lutas.

“Os pistoleiros vieram gritando, pararam e desceram da caminhonete bem ali. Depois pegaram um galão de gasolina e botaram fogo em tudo, moço. Daí saíram dando tiros para todos lados. Então acertaram meu filho, que caiu logo ali. E você sabe como ele morreu? assim de joelhos, pedindo pra não morrer”. Quem ouviu esse relato foi o jornalista Cristiano Navarro. “Naquele dia, em uma aldeia no interior do Maranhão, o depoimento da testemunha, um velho índio de mais de noventa anos, cego de um dos olhos e pai do cacique Guajajara, João Araújo, me ensinou algo definitivo sobre o jornalismo: a prioridade de fontes fala muito sobre o caráter do repórter. No lugar onde o ancião apontou, o líder Maruzan Camoraí ainda me revelou os vestígios da violência. 'Este é o sangue que nosso parente derramou lutando pela terra'”.

Essa foi a história que marcou a carreira do santista, que há quatro anos trabalha com a causa indígena. Ela foi usada pelo Ministério Público como acusação contra o Estado brasileiro na Organização dos Estados Americanos . “Imagine que três dias antes, a própria vítima havia denunciado à polícia e aos meios de comunicação que vinha sendo ameaçada de morte por capangas de um fazendeiro, que é político e invasor de suas terras. Entretanto, com a morte de Araújo, a primeira coisa que imprensa e policiais fizeram foram transformar as vítimas em criminosos. Então me pergunto: de que ponto e vista devo contar essa história e tantas outras semelhantes”.

Trabalhar com a causa indígena exige um engajamento maior porque implica visitar aldeias que ficam isoladas das grandes cidades. Navarro mudou de cidade e trabalha no Conselho Indigenista Missionário, o CIMI. “O impacto da mudança é grande porque os índios têm uma forma de pensar o mundo completamente diferente. A sua percepção como jornalista muda em contato com eles. É uma questão que ultrapassa o entendimento, exige sentimento”.

Não há muitos profissionais de imprensa trabalhando com índios. “Nos três primeiros anos, era editor do Poranti, eu fiquei muito preocupado com o fato de ser conhecido como o ‘Cristiano dos índios’. Agora penso que não há nada errado em ter um estigma que me identifique porque eu acredito nessa causa, eu trabalho para mudar alguma coisa”.

Espaço

O repórter é contundente ao afirmar que o jornalismo que faz não tem espaço nos grandes meios de comunicação. “Não é interessante que se paute a causa indígena para as empresas, que são anunciantes. Eu faço matérias que não têm grande circulação. Uso a Internet para ajudar a difundir”. A questão vai além por causa do problema com a terra. “As multinacionais querem a terra indígena para plantar pinheiros e os fazendeiros soja”.
O público que tem acesso as informações que Navarro produz é bem restrito. “Quem lê são formadores de opinião, quem se interessa ou tem aproximação pela causa, estudantes, antropólogos e religiosos”.

Deturpação

Outro problema enfrentado pelo jornalista é o preconceito com o índio. “Quando uso um índio como fonte percebo a indiferença das pessoas, elas dão mais credibilidade para outras fontes”.
Existe, também, a deturpação cultural do índio. “As pessoas não compreendem o que é o índio. Elas perguntam as coisas mais absurdas sobre eles para mim”. Há, ainda, a deturpação por interesse latifundiário. O índio tem um histórico de luta pela terra desde o inicio do Brasil. “O índio como movimento social, que luta pela terra que é um direito garantido pela constituição, passa a ser inimigo, não só dos fazendeiros. O índio só quer a terra dele, não quer poder nem acumular riquezas”.

Essa deturpação prejudica a sociedade no entendimento dos fatos, já que quando os índios tomam alguma atitude violenta, não é noticiado o que os levaram àquele ato. “O nosso jornalismo não contextualiza historicamente os fatos. Ele noticia que os cintalargas matou os garimpeiros. Porém não conta que eles tentaram afastar pacificamente os invasores de suas terras durante anos e não conseguiram. Até que tomaram uma atitude drástica”. Não foi noticiado em lugar nenhum a devastação desse povo. “Há 30 anos, os cintalargas eram 5 mil e hoje em dia são mil índios, mesmo eles se reproduzindo muito. A mídia não mostra que foram massacrados”.

O atual projeto de Navarro é formar comunicadores populares nas aldeias Guaranis, nos quatro países: Bolívia, Argentina, Brasil e Paraguai. “Antes cinco porque no Uruguai todos os índios Guaranis foram exterminados”. O objetivo é fortalecer a comunicação desses povos, já que a comunicação é um ponto da articulação política, e restabelecer a luta pelos direitos dos povos. “Entregamos um cartilha chamada Tem Aldeia na Política para os líderes, que fazem estudos junto com as comunidades”. A cartilha contém informações sobre política, como funcionam os partidos e qual a participação dos povos nesses processos. “E, é claro, o papel dos meios de comunicação nisso tudo”.

Começo

O jornalista, que se formou na UNISANTA, afirma que seu engajamento social começou ao decidir por essa profissão. "Escolhi jornalismo porque achava que tinha uma função de trabalho relevante para a sociedade, com o papel político claro de pautar as discussões do dia-a-dia das pessoas”. Durante a universidade, Navarro se aproximou do tema com leituras na área, por meio do movimento estudantil e pelo tema do seu Trabalho de Conclusão de Curso, que foi sobre Movimentos de Moradias em Santos. “Quando me formei estava desiludido com o jornalismo e não via perspectiva de trabalho. Minha visão mudou quando fui convidado pelo Renato Rovai para cobrir o Fórum Social Mundial de 2002.
Depois dessa cobertura o santista viu a possibilidade de trabalhar com o social dentro do jornalismo. “Vi pessoas do mundo inteiro que trabalham com comunicação alternativa, que tem uma perspectiva diferente das grandes redações”. Navarro também colaborou com a revista Caros Amigos, trabalhou na Sem Fronteiras e no Jornal Brasil de Fato.

2 comentários:

Anônimo disse...

"A proridade de fontes fala muito sobre o caráter do repórter". Boa síntese.
Note-se que os anunciantes que, segundo Navarro, não se interessam por índios são os mesmos que mantêm o discurso de "responsabilidade social".
Denunciar essa contradição, ou hipocrisia, é um dos principais desafios dos jornalistas comprometidos com os direitos sociais.

Anônimo disse...

oi meninas... parabéns pelo blog e pelo tcc, mesmo não estando na banca se quiserem ajuda depois para alguma coisa gráfica é so falar ok! ótimo trabalho... muita sorte procêis...