3 de janeiro de 2008

2007, o ano em que a imprensa sentiu o clima

Por Luciano Martins Costa, para o Observatório da Imprensa

Este foi o ano em que a imprensa descobriu o meio ambiente. Por conta do relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês), divulgado em fevereiro, os jornalistas se viram colocados diante da constatação científica, com quase 100% de certeza, de que o ser humano é responsável pelas mudanças climáticas que podem custar o futuro da humanidade. No rastro da questão ambiental, a mídia se aproximou do tema sustentabilidade, e tivemos nos últimos meses um crescimento no número de iniciativas editoriais nesse sentido.

Bons produtos foram colocados à disposição dos leitores e muito dinheiro entrou nos cofres das empresas de comunicação, por conta do interesse de grandes companhias de vincular suas marcas às preocupações com a salvação do planeta. Tivemos cadernos especiais, revistas gordas de anúncios falando da Amazônia, de empresas verdes e empresários motivados pela mais ferrenha responsabilidade socioambiental.

Mas a realidade não mudou. A imprensa não tomou uma posição firme na cobrança dos governantes e do capital globalizado por uma mudança nas políticas públicas e nos paradigmas econômicos, e chegamos a dezembro com índices ainda mais vergonhosos de destruição do meio ambiente.

Congestionamento final
Multidões se acotovelam nas lojas em busca de seus sonhos de consumo, num Natal aquecido por combustíveis poluidores e pela lenha das florestas. No Brasil, o governo comemora um aumento de 11% na arrecadação, e apesar de haver perdido uma receita de 40 bilhões de reais por ano, segue tocando um dos mais ambiciosos projetos de obras já produzido no país – o Plano de Aceleração do Crescimento. O Brasil precisa dessas obras, mas a mídia não questiona que garantias cada uma delas oferece de que o meio ambiente será preservado, ou de que elas representam uma estratégia sustentável de desenvolvimento.

Nesse sentido, o Brasil de 2007 pouco se diferencia do Brasil de 1970, com a importante ressalva de que, hoje, vivemos formalmente numa das democracias mais avançadas entre os países em desenvolvimento. Em termos institucionais, com todas as falhas que o Estado brasileiro possa ter, temos democracia para dar e vender a russos, chineses, indianos e sul-africanos. Mas tendemos perigosamente a recriar a ideologia do "Brasil grande" dos tempos do regime militar, sob os aplausos da imprensa.

Na semana passada, o presidente Lula celebrava o reaquecimento da indústria automobilística, quando uma única empresa anunciou a criação de mil empregos no ABC paulista. São licenciados em São Paulo 700 veículos por dia. Nascem na cidade 500 crianças por dia. "Nasce" mais carro do que gente.

Há cerca de um mês, o urbanista Cândido Malta Campos Filho dizia, no programa Domingo Espetacular, da TV Record, que, pela equação atual, São Paulo vai parar no dia 14 de novembro de 2012, com um congestionamento de 500 quilômetros provocado pelo excesso de veículos. Cândido Malta sabe o que diz. Em mais de 30 anos em cargos importantes do planejamento urbano, ele e seus contemporâneos ajudaram a construir, com políticas públicas equivocadas ou por omissão, o caos que agora denunciam. Talvez ele pudesse publicar neste Observatório um artigo esclarecendo o que mudou em sua visão desde 1978, quando propôs a construção de passarelas sobre o Vale do Anhangabaú, em São Paulo, confinando os pedestres e abrindo espaço para os carros.

O estímulo às soluções individuais em detrimento do transporte coletivo deu no que deu. Isso se chama insustentabilidade. Mas a imprensa ainda celebra números de crescimento, sem atentar para os efeitos colaterais que muitos deles produzem – e que podem inviabilizar nossas grandes cidades e produzir lá adiante um grande congestionamento econômico e social.

Sociedade de consumo
O modelo agrícola vinculado à produção de biocombustíveis, as matrizes de energia definidas hoje, os modais de transporte projetados para as próximas décadas – tudo isso são oportunidades para a construção de um país moderno e ao mesmo tempo comprometido com a preservação do patrimônio de qualidade de vida que precisa ser legado às futuras gerações. Mas não é isso que está acontecendo.

Em geral, nas questões que vão a público, as contestações de grupos dissidentes são apontadas pela mídia como retrocesso, quando se dirigem contra os interesses das grandes empresas. Veja-se, por exemplo, o caso da soja transgênica: desde o primeiro protesto dos movimentos de agricultores e ambientalistas contra a disseminação das sementes manipuladas pela Monsanto, a imprensa se colocou claramente a favor da "inovação". Em parte porque os protestos eram liderados por movimentos populares considerados radicais, como o MST, em parte porque viceja nas redações um natural deslumbramento com novidades tecnológicas sem muitas exigências quanto ao fundamento científico. A imprensa é "novidadeira", o que é diferente de ser inovadora.

Pois bem. Encerra-se o ano de 2007 com a revelação de que a soja transgênica terá para os agricultores um aumento de custo quase 100% superior ao aumento sofrido pelos produtores da soja natural. Ou seja: além dos riscos ambientais apontados por especialistas desde que começou a polêmica, temos a constatação de que a soja transgênica só é boa para a Monsanto.

Esse é apenas um exemplo de como escolhas editoriais que não levam em conta a amplitude dos elementos suscitados pelos fatos podem se revelar desastrosas. A imprensa passou décadas elogiando prefeitos e governadores que construíam viadutos e vias expressas para os automóveis. A sociedade do automóvel está próxima do colapso. A imprensa embarcou nos delírios de grandeza econômica e cobrou crescimento a qualquer custo. O modelo econômico avança para o esgotamento dos recursos naturais, sob a pressão dos enormes contingentes de cidadãos que exigem sua inclusão na sociedade de consumo.

A imprensa chamou de "ecochatos" aqueles que vislubraram o desastre com décadas de antecedência. O desastre está aí.

(Envolverde/Observatório da Imprensa)

Um comentário:

Anônimo disse...

Pois é agora o resultado estamos vendo com empresas querendo dizer que a Amazônia não é só do Brasil.
A empresa Biotec tem até um video na web convidado as pessoas a comprar um pedaço de nosso verde, Quer dizer, nosso, nosso nada, pois não tomamos conta.