25 de novembro de 2006

Guerrilheiro ambiental

Escrever matérias sobre meio ambiente não implica engajamento, mas defender causas ambientais significa se engajar. Já defender causas sociais em plena ditadura militar representava não só engajamento, como exigia uma ideologia firme. O jornalista santista Lane Valiengo, 53 anos, enfrentou essa situação durante o final da década de 70 e início dos anos 80 – e obteve reconhecimento com isso. Junto com os repórteres Leda Mondin e Manuel Alves Fernandes, Lane ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo por uma série de reportagens sobre o risco de desabamento da Serra do Mar.

Segundo Lane Valiengo, defender ecologia nessa época era considerado coisa de subversivo. Além disso, diz ele, era necessário ter consciência de que iriam tentar desqualificar as matérias e ter a dimensão do poder econômico que as grandes indústrias poluidoras tinham na região.

O jornalista lembra que o engajamento de sua geração começou como uma forma de luta para melhorar a sociedade. “O pessoal veio dos movimentos hippie e punk. Éramos politicamente engajados e a luta ambiental veio para nós como um caminho de mudança. Não conseguimos mudar socialmente, nem politicamente. Tentamos pelo menos salvar um pouco de terra”.

Outro fator que contribuiu para a publicação das matérias foram os colegas de redação, afirma Lane. “Vários jornalistas que tinham essa preocupação estavam juntos. Em 1984, as matérias ambientais se tornaram o carro-chefe do jornal A Tribuna, que era o diário que mais publicava reportagens desse tipo no Brasil”.

Na época em que começou a produzir as matérias sobre meio ambiente, a sociedade não tinha noção do que era o meio ambiente, avalia Lane Valiengo. “Para falar disso, além do engajamento, tínhamos que ter uma boa didática para ensinar as pessoas a defender a natureza, porque senão as conseqüências seriam graves. Eu andava com um relatório sobre produtos químicos de baixo do braço para consultar”.

A cidade de Cubatão é hoje referência na defesa ambiental. Para muitos, isso é resultado das matérias produzidas por Lane Valiengo e seus companheiros de jornal. “O Governo resolveu fazer um plano de salvamento da Serra do Mar. As indústrias tiveram que se adequar para diminuir a poluição. Tudo isso começou a partir das nossas matérias”. Até hoje existe um programa de controle da poluição de Cubatão que, para o jornalista, foi conseqüência direta das matérias.


Dificuldades

A primeira dificuldade enfrentada por Lane Valiengo foi convencer a chefia do jornal sobre a idéia de se defender o meio ambiente. “As indústrias começaram a anunciar na primeira página do jornal, que é muito cara, com textos dizendo que não poluíam. Durante sete meses tivemos carta branca para continuar com as matérias, até que veio a ordem: pára”.

Outra questão que teve de enfrentar foram as ameaças constantes. “Elas vinham dos militares, que ameaçavam nos enquadrar na Lei de Segurança Nacional. Nós tínhamos fichas no Dops com todos os nossos passos. Às vezes, as ameaças eram veladas. Alguém falava ‘cuidado, você não sabe onde está se metendo’. Muitas vezes, vinham do poder econômico, com ameaças de parar os anúncios. E de políticos. Um, inclusive, foi no jornal pedir a minha cabeça ao editor chefe”.

O jornalista cita como um dos acontecimentos que marcaram sua carreira o incêndio na Vila Socó, em Cubatão. “Quando aconteceu o incêndio da Vila Socó, a imprensa foi toda pra lá. Teve dois grupos de jornalistas, um que jogou o bloquinho e foi ajudar os bombeiros e outro que continuou a coletar dados. Mas a realidade ali era tão doída, que tínhamos que fazer alguma coisa. Eu não fui para fazer matéria, fui para ajudar. Estava de férias na época”.

Lane admite que esta diferença de postura marcou muito. “Se eu tivesse ido para fazer matéria, eu teria ajudado da mesma forma. Aí é que está a diferença entre quando você é formado para ser jornalista e quando você é formado para ser cidadão que também é jornalista. Comprometido com a vida, sempre vou ser, antes da profissão”.

Outra reportagem que Lane Valiengo menciona foi no bairro da Alemoa. “Fui fazer uma matéria sobre um caminhão que havia tombado. Quando cheguei, vi os moradores catando o arroz que caiu do veículo. O arroz era contaminado e estava sendo transportado para ser incinerado. Mas as pessoas estavam catando para comer”.

O que motivou Lane a seguir essa linha do jornalismo foi sua formação. “Eu já tinha uma predisposição para isso. Fui do movimento da contracultura. Escrever sobre meio ambiente é uma coisa. Agora, brigar pelas causas ambientais é outra. Era isso que eu fazia. Era um guerrilheiro ambiental”.

Prêmio Esso

Lane Valiengo recebeu o Prêmio Esso pelo conjunto de matérias que ajudou a produzir sobre o risco de deslizamento da Serra do Mar. O jornalista conta que a reportagem surgiu quando um engenheiro do Instituto Florestal ligou para a redação do jornal A Tribuna e sugeriu uma pauta a ser feita em São Paulo. “Ele tinha um relatório que mostrava que a Serra do Mar estava desabando. O material era todo carimbado de confidencial. A Tribuna adotou, em termos de edição, uma postura mais agressiva. A matéria saiu e sacudiu a cidade”. A população tomou conhecimento do fato e passou a cobrar.

A série começou com o relatório e depois foram mostradas as conseqüências. “Esse prêmio foi resultado da mobilização da comunidade da Baixada Santista. Não foi tanto a qualidade do texto. A noticia é tão gritante, por si só ela já tem valor”.

Um fato curioso, para o jornalista, ilustra bem o que era a desinformação na época. “O Manuel fez uma matéria com o título: ‘Tombamento da Serra será amanhã’. Foi uma confusão, as pessoas acharam que ia desabar tudo, mas na verdade era o tombamento como patrimônio histórico. Depois, teve que sair uma retificação: ‘Atenção tombamento não é queda’. Foi um episódio engraçado”.

24 de novembro de 2006

Mobilização Kaiowá, Guarani e Terena


Os povos indígenas do Mato Grosso do Sul, particularmente os Kaiowá, Guarani e Terena, estão muito preocupados com a quase total paralisação dos procedimentos de regularização de suas terras. São quase duzentos processos judiciais envolvendo as terras indígenas neste Estado. Grande parte desses processos se encontram no TRF-3ª Região, em São Paulo. Além disso a Funai, neste último ano não constituiu nenhum grupo de trabalho, mesmo sabendo que existem mais de cem terras indígenas (tekohá) que precisam ser identificados. Essa situação fez com que aumentasse expressivamente a violência entre esses povos, sendo o Estado com maior número de suicídios, assassinatos, mortes por atropelamento, homicídios, dentre outros.

Diante dessa realidade, as 15 comunidades e lideranças indígenas vêm a São Paulo, para conversar com as autoridades responsáveis pelos processos e denunciar a situação dramática que estão passando.

No dia 27 de novembro, às 15 horas, será realizado o Encontro Guarani, com participação de indígenas Guarani, Kaiowá e Terena do Mato Grosso do Sul, de São Paulo e de outros locais do Brasil e da América do Sul. O encontro acontece no no Pátio da Cruz da PUC/SP, e terá rezas, danças e falas.

Na terça-feira, 28 de novembro, os indígenas participarão de Audiências Públicas no TRF da 3ª Região, avenida Paulista, 1842. À noite, haverá visita à aldeia Jaraguá, no Pico do Jaraguá, para realização de rituais.

Na quarta-feira, 29, a programação será encerrada com um ato no vão livre do MASP, às 15 horas, com participação de povos indígenas de todo o país, movimentos sociais e estudantes.
Haverá projeção de filmes na PUC nos dias 27 e 28, seguidos de debates.

Exposição de fotografias
Entre os dias 21 e 30 de novembro, será realizada uma exposição de fotografias de aldeias Guarani do Mato Grosso do Sul, no hall do andar térreo do prédio novo da PUC-SP. As fotos são do fotógrafo Flávio Cannalonga e Núcleo de Estudos em Antropologia Prática (Neap) / PUC-SP. Curadora Marcela Cavalcanti.


Informações e auxílio à imprensa:

Marina Gonzalez
(11) 8206-6917
marinamgonzalez@hotmail.com

Tatiana Lotierzo
(11) 9103-4200;
tatianalotierzo@yahoo.com

NEAP/PUC-SP
neap_pucsp@yahoo.com.br
(11) 9153-5573 – Rodrigo Domenech
(11) 9984-2721 – Diego Galípolo
(11) 8585-8818 - Victor Strazzeri
(11) 7120-6466 – Ramirys de Andrade

CIMI/MS
cimidourados@terra.com.br
(67) 3424-9410
(67) 9983 3982 Egon Heck
(67) 9983 4089

Endereços
PUC-SP – R. Monte Alegre, 984.
MASP – Av. Paulista, 1578.
TRF – Av. Paulista, 1842

Participantes:
Kaiowá e Guarani do Mato Grosso do Sul
Guarani de São Paulo e outras regiões
Pankararu, Terena e outros povos indígenas em São Paulo – na manifestação Entidades indigenistas e dos movimentos sociais
Organização:
Comissão Guarani/Kaiowá – MS
Povo Indígena Guarani – SP
Cimi – Conselho Indigenista Missionário
Núcleo de Estudos em Antropologia Prática (Neap) / PUC-SP

11 de novembro de 2006

Consciência ambiental

Decência. Não foi isso que o jornalista Adalberto Marcondes, da Revista Eletrônica Envolverde, encontrou durante a cobertura das eleições para governador, no Amazonas, em 1986. Apesar da pauta ser política, ele enxergou o que muitos jornalistas ainda não conseguem ver, ou fingem não ter visto.

É o próprio Marcondes quem conta: “Vi a miséria e o desespero de uma mãe que preferiu vender a filha, de 12 anos, a um garimpeiro, para poder dar um prato de comida para os outros filhos. Aquilo me tocou muito e me colocou diante uma realidade que não era possível aceitar. Ela tinha que fazer uma opção: ou vendia a filha e com aquele dinheiro comprava as coisas para os outros filhos, ou então todos iam continuar passando fome. Então, eu acho que um mundo em que a mãe tem que enfrentar esse dilema não é um mundo correto, não é um mundo decente, não é lugar bom para se viver. E ter visto isso mudou a minha visão de mundo e o sentido do meu trabalho”.

Esse acontecimento foi fundamental para que o olhar social do jornalista despertasse. “Esta cena marcou a minha decisão de trabalhar com determinados tipos de informações, que levassem as pessoas a refletir sobre a realidade e sobre o tipo de mundo que elas gostariam de deixar para as gerações futuras”, relembra.

Na busca de um mundo mais decente, surgia, há 10 anos, a revista eletrônica Envolverde, que por meio da divulgação de notícias de cunho social retrata um Brasil sem disfarces. “A Envolverde quer levar para o noticiário diário assuntos como o da menina que foi vendida. Temos que fazer as pessoas refletirem sobre o que podem fazer para que problemas como esse não aconteçam mais”.

Segundo Adalberto Marcondes, como toda mídia pequena, a Envolverde teve que superar muitas dificuldades para chegar onde chegou. Ele não desistiu e, hoje, o site possui o patrocínio da Cavo, empresa especializada em engenharia e conservação ambiental, e é parceira de outras Ongs, como a AW4 Tecnologia, Agência Internacional Inter Press Service e Terra América.

De acordo com Marcondes, a revista, que foi vencedora do 6º Prêmio Ethos de Jornalismo na categoria Mídia Digital, tem uma média de quase 5 mil acessos por dia, o que, mensalmente, equivale a mais de 1 milhão e meio de pessoas visitando o portal.

Marcondes admite que o número de leitores interessados ainda não é suficiente para que temas como meio ambiente, educação e cidadania façam parte do cotidiano da mídia. Ele explica que isso acontece porque boa parte da mídia ainda tem preconceito em relação a esse tipo de tema. “A imprensa procura trabalhar com temas que tenham alguma relevância momentânea para poder vender jornal e acaba não dando destaque para as minorias. Logo, o debate não é feito pela sociedade”.

O jornalista afirma que esse preconceito pôde ser visto durante a cobertura da instauração de cotas para negros e índios nas universidades federais e estaduais. “As matérias estão cheias de preconceitos e desinformação. Não é um debate claro sobre qual é o papel dessas cotas e porque se deveria bancá-las”.

Além disso, ele aponta outros exemplos envolvendo a questão racial, o gênero e o poder aquisitivo do brasileiro. “A questão racial é tratada de forma absurda, afinal, se coloca o negro como minoria no Brasil, enquanto todos sabemos que mais de 50% da população é formada por negros. Outro dia eu ouvi: 'As minorias brasileiras: negros, mulheres e pobres’. Eu pensei, vocês estão loucos, porque as mulheres formam 51%, ou seja, são maioria, e não minoria. Os negros também compõem boa parte da população e, pelo que me consta, a maioria da população não está nadando em dinheiro”.

Ele também destaca a pobreza como tema desprezado pela mídia. “A pobreza é tratada pelo pitoresco, e não por ser uma coisa séria. As matérias são: ‘Brasil bate o recorde em desigualdade’. Isso nós já sabemos, e daí? O que se pode fazer?”, questiona Adalberto Marcondes.

Para ele, o fato de a mídia não conseguir trabalhar com as minorias, com a miséria e com políticas públicas contribui para que os leitores tenham uma visão rasa e superficial da realidade que, na maioria das vezes, é a de pequena parcela da classe média. “Quem assiste à Rede Globo acha que nós moramos em um País como a Espanha, a Bélgica, ou seja, um País de segundo mundo ajeitado, e não um país de terceiro mundo”.

Segundo o criador da Envolverde, uma das formas de fazer com que a sociedade passe a enxergar o País com outros olhos, sem o glamour das novelas, é por meio do trabalho do jornalista. “A imprensa tem que ficar mais atenta ao que acontece no País. Ela tem que estar mais preparada e sensibilizada com o que acontece à sua volta para poder divulgar assuntos de relevância nacional, e não fofocas”.

Mas para que o jornalista tenha essa sensibilidade, é necessário que essa percepção seja desenvolvida desde o começo da carreira, ou seja, quando ele ainda está na faculdade. “Acredito que a inserção de uma disciplina de jornalismo social não resolveria o problema, porque estaríamos burocratizando o social. Porém, se a faculdade tiver um projeto de realizar palestras com pessoas que trabalham com terceiro setor, fica mais fácil haver interação desses jovens com o tema. Afinal, o estudante passa ter contato com muita gente, com muitas idéias, com muitos conhecimentos, e isso acaba abrindo o seu leque de raciocínio. Ele conhece muitas idéias e, a partir disso, decide quais são aquelas com as quais se identifica e está disposto a ir em frente”.

Marcondes, que já trabalhou em revistas como Isto É e Exame, nas agências de notícias France Presse e Estado e em jornais como Gazeta Mercantil e Estadão, reclama que ainda são poucas as reportagens sobre o tema que saem na mídia. “Na maioria das vezes, nós publicamos e um ou outro jornal vai atrás. Isso acontece por falta de conhecimento dos jornalistas”.

No entanto, se por um lado a Envoverde encontra dificuldade em ter o seu conteúdo espalhado por veículos da grande mídia, por outro ela ganha o mundo por meio da Internet, das redes de jornalistas ambientais que se formam no País e dos multiplicadores que o portal conquistou ao longo de 10 anos de existência.

Marcondes explica que, apesar de tudo, o portal tem vantagens, porque a Internet facilita muito a comunicação. “Disponibilizamos 25 editorias diferentes, que vão desde o tema água, até biodiversidade, lixo, energia, governo, saúde e cidadania. Com a nossa diversidade de pautas, atraímos diversos leitores. Além disso, o portal tem como público-alvo formadores de opinião, como jornalistas, advogados, ambientalistas, pesquisadores e universitários, que passam as informações adiante”.

A equipe da Envolverde pretende despertar nos jornalistas a sensibilidade necessária para trabalhar com temas sócio-ambientais. “É preciso que o jornalista esteja bem informado e seja insistente ao vender uma pauta. Só assim ele vai conseguir emplacar uma pauta, que por conta do seu conteúdo social provavelmente seria descartada. Mas se ele constrói essa pauta com relevância, criatividade e muita informação, uma hora vai conseguir emplacar”.

Embora alguns jornalistas acreditem que com a inserção de editoriais de meio ambiente, educação, ou até mesmo cidadania, o problema da falta de reportagens de cunho social estaria resolvido, para Marcondes isso não resolveria a questão. “O olhar ambiental tem que ser transversal, ou seja, tem que estar em todas as editorias. Se, por um lado, com a criação de editorias específicas o veículo passa a ser obrigado a preencher aquele caderno, por outro, se não souber trabalhar o tema corretamente, a proposta de conscientizar a sociedade vai por água abaixo”.

Ele enfatiza que é importante que o jornalista seja uma pessoa bem informada e que participe do que acontece na sua sociedade. “Caso contrário, acabará fazendo, sem perceber, marketing empresarial e não prestando um serviço à comunidade”.

Para o criador da Envolverde, a preocupação da sociedade com o meio ambiente aumentou com a realização da Eco – 92, realizada no Rio de Janeiro. Depois disso, houve uma queda no interesse das empresas e da própria população. O tema entrou novamente em voga em 2001 e, desde então, não parou mais de despertar interesse.

O jornalista acredita que este crescimento está relacionado a quatro fatores: à freqüência com que os desastres ambientais têm ocorrido; às empresas terem percebido que é necessário preservar o meio ambiente; ao trabalho de muitos ambientalistas, que tem surtido efeito no comportamento da população, que hoje recicla mais, por exemplo; e ao interesse das empresas em criar uma política de sustentabilidade para que possam continuar existindo. “Pela primeira vez, as grandes empresas estão preocupadas com sua perenidade, porque uma empresa não é como uma pessoa. Enquanto nós temos uma expectativa de vida de 70, 80 anos, elas sabem que continuarão a existir por 150 anos, ou até mais. Mas para uma empresa viver tanto, ela tem que olhar para o futuro e estar ciente de que precisa ter esse futuro. Então, ela não pode matar seus consumidores. Ela precisa ter matéria-prima, não pode esgotar os recursos naturais agora, porque precisará deles nos próximos anos. Com isso, elas mudaram a postura, para poderem ter uma vida mais longa”.

Nesse contexto, o trabalho do jornalista, diz Marcondes, serve principalmente para conscientizar as pessoas de que elas não podem ver os recursos naturais como se fossem eternos. “Temos de repensar modelos e fazer com que a sociedade pense no futuro que ela quer deixar para as próximas gerações”.

4 de novembro de 2006

Caráter do repórter

As escolhas do jornalista dizem muito sobre seu caráter, as decisões desde qual fonte ouvir até qual enfoque da matéria. Com base nisso o repórter Cristiano Navarro fez sua escolha: defender os direitos dos índios e reportar suas lutas.

“Os pistoleiros vieram gritando, pararam e desceram da caminhonete bem ali. Depois pegaram um galão de gasolina e botaram fogo em tudo, moço. Daí saíram dando tiros para todos lados. Então acertaram meu filho, que caiu logo ali. E você sabe como ele morreu? assim de joelhos, pedindo pra não morrer”. Quem ouviu esse relato foi o jornalista Cristiano Navarro. “Naquele dia, em uma aldeia no interior do Maranhão, o depoimento da testemunha, um velho índio de mais de noventa anos, cego de um dos olhos e pai do cacique Guajajara, João Araújo, me ensinou algo definitivo sobre o jornalismo: a prioridade de fontes fala muito sobre o caráter do repórter. No lugar onde o ancião apontou, o líder Maruzan Camoraí ainda me revelou os vestígios da violência. 'Este é o sangue que nosso parente derramou lutando pela terra'”.

Essa foi a história que marcou a carreira do santista, que há quatro anos trabalha com a causa indígena. Ela foi usada pelo Ministério Público como acusação contra o Estado brasileiro na Organização dos Estados Americanos . “Imagine que três dias antes, a própria vítima havia denunciado à polícia e aos meios de comunicação que vinha sendo ameaçada de morte por capangas de um fazendeiro, que é político e invasor de suas terras. Entretanto, com a morte de Araújo, a primeira coisa que imprensa e policiais fizeram foram transformar as vítimas em criminosos. Então me pergunto: de que ponto e vista devo contar essa história e tantas outras semelhantes”.

Trabalhar com a causa indígena exige um engajamento maior porque implica visitar aldeias que ficam isoladas das grandes cidades. Navarro mudou de cidade e trabalha no Conselho Indigenista Missionário, o CIMI. “O impacto da mudança é grande porque os índios têm uma forma de pensar o mundo completamente diferente. A sua percepção como jornalista muda em contato com eles. É uma questão que ultrapassa o entendimento, exige sentimento”.

Não há muitos profissionais de imprensa trabalhando com índios. “Nos três primeiros anos, era editor do Poranti, eu fiquei muito preocupado com o fato de ser conhecido como o ‘Cristiano dos índios’. Agora penso que não há nada errado em ter um estigma que me identifique porque eu acredito nessa causa, eu trabalho para mudar alguma coisa”.

Espaço

O repórter é contundente ao afirmar que o jornalismo que faz não tem espaço nos grandes meios de comunicação. “Não é interessante que se paute a causa indígena para as empresas, que são anunciantes. Eu faço matérias que não têm grande circulação. Uso a Internet para ajudar a difundir”. A questão vai além por causa do problema com a terra. “As multinacionais querem a terra indígena para plantar pinheiros e os fazendeiros soja”.
O público que tem acesso as informações que Navarro produz é bem restrito. “Quem lê são formadores de opinião, quem se interessa ou tem aproximação pela causa, estudantes, antropólogos e religiosos”.

Deturpação

Outro problema enfrentado pelo jornalista é o preconceito com o índio. “Quando uso um índio como fonte percebo a indiferença das pessoas, elas dão mais credibilidade para outras fontes”.
Existe, também, a deturpação cultural do índio. “As pessoas não compreendem o que é o índio. Elas perguntam as coisas mais absurdas sobre eles para mim”. Há, ainda, a deturpação por interesse latifundiário. O índio tem um histórico de luta pela terra desde o inicio do Brasil. “O índio como movimento social, que luta pela terra que é um direito garantido pela constituição, passa a ser inimigo, não só dos fazendeiros. O índio só quer a terra dele, não quer poder nem acumular riquezas”.

Essa deturpação prejudica a sociedade no entendimento dos fatos, já que quando os índios tomam alguma atitude violenta, não é noticiado o que os levaram àquele ato. “O nosso jornalismo não contextualiza historicamente os fatos. Ele noticia que os cintalargas matou os garimpeiros. Porém não conta que eles tentaram afastar pacificamente os invasores de suas terras durante anos e não conseguiram. Até que tomaram uma atitude drástica”. Não foi noticiado em lugar nenhum a devastação desse povo. “Há 30 anos, os cintalargas eram 5 mil e hoje em dia são mil índios, mesmo eles se reproduzindo muito. A mídia não mostra que foram massacrados”.

O atual projeto de Navarro é formar comunicadores populares nas aldeias Guaranis, nos quatro países: Bolívia, Argentina, Brasil e Paraguai. “Antes cinco porque no Uruguai todos os índios Guaranis foram exterminados”. O objetivo é fortalecer a comunicação desses povos, já que a comunicação é um ponto da articulação política, e restabelecer a luta pelos direitos dos povos. “Entregamos um cartilha chamada Tem Aldeia na Política para os líderes, que fazem estudos junto com as comunidades”. A cartilha contém informações sobre política, como funcionam os partidos e qual a participação dos povos nesses processos. “E, é claro, o papel dos meios de comunicação nisso tudo”.

Começo

O jornalista, que se formou na UNISANTA, afirma que seu engajamento social começou ao decidir por essa profissão. "Escolhi jornalismo porque achava que tinha uma função de trabalho relevante para a sociedade, com o papel político claro de pautar as discussões do dia-a-dia das pessoas”. Durante a universidade, Navarro se aproximou do tema com leituras na área, por meio do movimento estudantil e pelo tema do seu Trabalho de Conclusão de Curso, que foi sobre Movimentos de Moradias em Santos. “Quando me formei estava desiludido com o jornalismo e não via perspectiva de trabalho. Minha visão mudou quando fui convidado pelo Renato Rovai para cobrir o Fórum Social Mundial de 2002.
Depois dessa cobertura o santista viu a possibilidade de trabalhar com o social dentro do jornalismo. “Vi pessoas do mundo inteiro que trabalham com comunicação alternativa, que tem uma perspectiva diferente das grandes redações”. Navarro também colaborou com a revista Caros Amigos, trabalhou na Sem Fronteiras e no Jornal Brasil de Fato.