1 de março de 2007

Social na teoria e na prática

A essência do jornalismo é pautar questões que afetam a vida dos cidadãos com o objetivo de diminuir as desigualdades sociais, mas não é isso o que se tem visto na mídia. O que comprova essa afirmação é a ausência de editorias específicas ou de reportagens sobre o tema com uma periodicidade fixa.

A precariedade com que o assunto é tratado se justifica de diversas formas, pela mídia. As mais recorrentes são a falta de tempo do profissional, que muitas vezes tem de realizar mais de cinco matérias em um dia, o pouco incentivo dos editores, a falta de interesse dos leitores e a própria ausência de percepção e sensibilidade do repórter.

Para o italiano Umberto Eco, esse comodismo da imprensa não se justifica. “O silêncio não é protesto, é cumplicidade“, diz ele. O jornalista Alceu Luís Castilho, um dos fundadores da Agência Repórter Social, concorda. “A iniciativa cabe ao repórter. Não adianta reclamar que as pautas não entraram, se não foi feita uma tentativa. O espaço existe, porque o leitor demanda esse tipo de pauta, desde que a edição consiga perceber a conexão imediata com seu universo".

Da mesma forma que no passado dependia da iniciativa dos jornalistas a publicação de matérias criticando o governo militar, hoje para o social entrar na pauta das grandes redações também depende do repórter.

Na ditadura, havia um jornalismo politicamente engajado. Com a redemocratização, a luta principal da sociedade brasileira passou a ser contra as desigualdades sociais e, conseqüentemente, isso deveria se refletir no jornalismo. Mas o que vemos é o inverso, as matérias de cunho social ainda não encontram espaço e estão dispersas nas páginas dos jornais e no noticiário dos meios eletrônicos.

“Os anos 70 (que do ponto de vista da política começam em 1968) foram os chamados Anos de Chumbo. Foi quando a ditadura chegou ao auge, sofisticando seus mecanismos de repressão e aprimorando seus sistemas de censura e tortura. A questão política se sobrepunha à questão social - e o jornalismo acompanhava, tendo, evidentemente, muito mais preocupações políticas do que sociais. Com a democratização, isso mudou, sim, mas o jornalismo não acompanhou“, conta o jornalista Zuenir Ventura, autor do livro '1968: O Ano que Não Terminou'.

Ele continua: “Nos anos 90, quando escrevi Cidade Partida (escrevi em 93 e publiquei em 94), já era clara para mim e muitos outros a consciência da tragédia social que vivíamos. Sem ter a intenção, acabei retratando, em 1968, uma geração excluída politicamente e, em Cidade Partida, uma geração excluída socialmente“.

O pensamento de Zuenir é corroborado por Eugênio Bucci no livro Sobre Ética e Imprensa. "A notícia não é apenas uma novidade, é uma novidade que altera o arranjo dos fatos, poderes ou idéias em algum nível. Ela incide, portanto, sobre as relações humanas: ela é socialmente notícia". Por causa da dimensão da notícia, o social deve ser priorizado.

Para o jornalista Fábio de Castro, que defendeu dissertação sobre o tema na Sorbonne (Paris III), muitos profissionais argumentam que o conceito de jornalismo social se enquadraria em todo jornalismo, tendo em vista que todo tema tem implicações sociais. “Todo jornalismo também está ligado a questões econômicas e políticas, porém isso não impede que existam editorias de jornalismo econômico e político“.

Muitos acreditam que o social é maniqueísta, ou seja, torna os jornalistas da área 'heróis' e desvaloriza o trabalho de repórteres que não dão enfoque ao tema. Os críticos, contudo, não percebem que a discussão vai além, já que não importa quem está certo ou errado.

A própria universidade não incentiva o engajamento social dos futuros repórteres. A professora Cremilda Medina de Araújo, da Escola de Comunicação e Artes da USP, afirma em seu livro Profissão Jornalista: Responsabilidade Social que em muitas universidades predomina a crítica de origem sociológica, reafirmando-se como incontestável a luta entre o bem e o mal. Para a autora, um fato é indiscutível: o papel de interação social da comunicação.

Para Carlos Alberto Vicchiatti, doutor em Comunicação pela PUC, o papel social do jornalista é fazer o cidadão refletir e almejar uma mudança real e definitiva, evitando a superficialidade e a omissão, que só fazem aumentar as diferenças sociais. "O texto deve contextualizar o leitor, se preocupar com a sociedade na qual ele está inserido. Não se deve esquecer do ser humano". Para o professor, é necessário dar uma notícia calamitosa sem sensacionalismo. "A notícia é tratada como mercadoria, e como mercadoria adapta-se às leis do mercado". Vicchiatti afirma que o engajamento do jornalista é importante no aperfeiçoamento da sociedade.

A promoção e proteção dos direitos humanos no cotidiano dependem da atuação da imprensa. Historicamente, em diversos países, os avanços em relação à agenda dos Direitos Humanos estão diretamente associados à prática do jornalismo investigativo, responsável não apenas por denunciar violações desses direitos, como também por fortalecer o debate público em torno de formas de se garantir os mesmos.